sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Catequese do Papa Bento XVI sobre Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja

 

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 30 de Março de 2011





Santo Afonso Maria de Ligório


Prezados irmãos e irmãs

Hoje gostaria de apresentar-vos a figura de um santo Doutor da Igreja, ao qual devemos muito, porque foi um insigne teólogo moralista e um mestre de vida espiritual para todos, principalmente para as pessoas simples. É o autor das palavras e da música de um dos cânticos de Natal mais populares na Itália, e não só: Tu scendi dalle stelle.

Pertencente a uma família napolitana nobre e rica, Afonso Maria de Ligório nasceu em 1696. Dotado de acentuadas qualidades intelectuais, com apenas 16 anos obteve a licenciatura em direito civil e canónico. Era o advogado mais brilhante do foro de Nápoles: durante oito anos venceu todas as causas que defendeu. Todavia, na sua alma sedenta de Deus e desejosa de perfeição, o Senhor levava-o a compreender que outra era a vocação à qual o chamava. Com efeito, em 1723, indignado pela corrupção e a injustiça que viciavam o ambiente forense, abandonou a sua profissão — e com ela a riqueza e o sucesso — e decidiu tornar-se sacerdote, não obstante a oposição da parte do pai. Teve mestres excelentes, que o introduziram no estudo da Sagrada Escritura, da História da Igreja e da Mística. Adquiriu uma vasta cultura teológica, que fez frutificar quando, depois de alguns anos, empreendeu a sua obra de escritor. Foi ordenado presbítero em 1726 e, pelo exercício do ministério, uniu-se à Congregação diocesana das Missões apostólicas. Afonso deu início a uma obra de evangelização e de catequese no meio das camadas mais humildes da sociedade napolitana, às quais gostava de pregar, e que instruía acerca das verdades basilares da fé. Não poucas destas pessoas, pobres e modestas, às quais se dirigia, dedicavam-se com frequência aos vícios e praticavam acções criminosas. Com paciência ensinava-as a rezar, encorajando-as a melhorar o seu estilo de vida. Afonso alcançou resultados excelentes: nos bairros mais miseráveis da cidade multiplicavam-se grupos de pessoas que, à noite, se reuniam nas casas particulares e nas oficinas, para rezar e para meditar a Palavra de Deus, sob a orientação de alguns catequistas formados por Afonso e por outros sacerdotes, que visitavam regularmente estes grupos de fiéis. Quando, por vontade do arcebispo de Nápoles, estas reuniões começaram a realizar-se nas capelas da cidade, receberam o nome de «capelas nocturnas». Elas constituíram uma verdadeira fonte de educação moral, de restabelecimento social e de ajuda recíproca entre os pobres: furtos, duelos e prostituição quase chegaram a desaparecer.

Embora o contexto social e religioso da época de santo Afonso fosse muito diferente do nosso, as «capelas nocturnas» parecem um modelo de obra missionária em que podemos inspirar-nos também hoje, para uma «nova evangelização», particularmente dos mais pobres, e para construir uma convivência humana mais justa, fraterna e solidária. Aos sacerdotes é confiada uma tarefa de ministério espiritual, enquanto leigos bem formados podem ser animadores cristãos eficazes, fermento evangélico autêntico no seio da sociedade.

Depois de ter pensado em partir para evangelizar os povos pagãos, Afonso, com 35 anos de idade, entrou em contacto com os camponeses e com os pastores das regiões do interior do Reino de Nápoles e, impressionado com a sua ignorância religiosa e com o estado de abandono em que viviam, decidiu deixar a capital e dedicar-se a estas pessoas, que eram pobres espiritual e materialmente. Em 1732 fundou a Congregação religiosa do Santíssimo Redentor, que pôs sob a tutela do bispo Tommaso Falcoia, e da qual sucessivamente ele mesmo se tornou o superior. Estes religiosos, guiados por Alfonso, foram autênticos missionários itinerantes, que chegaram até aos povoados mais remotos, exortando à conversão e à perseverança na vida cristã, sobretudo por meio da oração. Ainda hoje os Redentoristas, espalhados por muitos países do mundo, com novas formas de apostolado, continuam esta missão de evangelização. Penso neles com reconhecimento, exortando-os a ser sempre fiéis ao exemplo do seu santo fundador.

Estimado pela sua bondade e pelo seu zelo pastoral, em 1762 Afonso foi nomeado bispo de Santa Águeda dos Godos, ministério que, a seguir às enfermidades que o afligiam, deixou em 1775, por concessão do Papa Pio VI. Em 1787 o mesmo Pontífice, recebendo a notícia do seu falecimento, ocorrido depois de muitos sofrimentos, exclamou: «Era um santo!». E não se equivocava: Afonso foi canonizado em 1839 e, em 1871, proclamado Doutor da Igreja. Este título adapta-se-lhe por múltiplos motivos. Antes de tudo, porque ele propôs um rico ensinamento de teologia moral, que exprime adequadamente a doutrina católica, a tal ponto que foi proclamado pelo Papa Pio XII «Padroeiro de todos os confessores e moralistas». Na sua época difundiu-se uma interpretação muito rigorosa da vida moral, também por causa da mentalidade jansenista que, em vez de alimentar a confiança e a esperança na misericórdia de Deus, fomentava o medo e apresentava um rosto de Deus áspero e severo, muito distante daquele que nos foi revelado por Jesus. Sobretudo na sua obra principal, intitulada Teologia moral, santo Afonso, propõe uma síntese equilibrada e convincente entre as exigências da lei de Deus, esculpida nos nossos corações, revelada plenamente por Cristo e interpretada respeitavelmente pela Igreja, e os dinamismos da consciência e da liberdade do homem que, precisamente na adesão à verdade e ao bem, permitem o amadurecimento e a realização da pessoa. Aos pastores de almas e aos confessores, Afonso recomendava que fossem fiéis à doutrina moral católica, assumindo ao mesmo tempo uma atitude caritativa, compreensiva e dócil, a fim de que os penitentes pudessem sentir-se acompanhados, sustentados e encorajados no seu caminho de fé e de vida cristã. Santo Afonso nunca se cansava de repetir que os sacerdotes são um sinal visível da misericórdia infinita de Deus, que perdoa e ilumina a mente e o coração do pecador a fim de que se converta e mude de vida. Na nossa época, em que existem claros sinais de perda da consciência moral e — é necessário reconhecê-lo — de uma certa falta de estima pelo Sacramento da Confissão, o ensinamento de santo Afonso ainda é de grande actualidade.

Além das obras de teologia, santo Afonso compôs muitíssimos outros escritos, destinados à formação religiosa do povo. O estilo é simples e agradável. Lidas e traduzidas em numerosas línguas, as obras de santo Afonso contribuíram para plasmar a espiritualidade popular dos últimos dois séculos. Algumas delas são textos que se devem ler com grande proveito ainda hoje, como As Máximas eternas, As glórias de Maria e A prática de amar Jesus Cristo; esta última obra representa a síntese do seu pensamento e a sua obra-prima. Ele insiste muito sobre a necessidade da oração, que permite abrir-se à Graça divina para cumprir quotidianamente a vontade de Deus e alcançar a santificação pessoal. No que se refere à oração, ele escreve: «Deus não nega a ninguém a graça da oração, com a qual se obtém a ajuda para vencer qualquer concupiscência e tentação. Digo, reitero e repetirei sempre, enquanto viver, que toda a nossa salvação se encontra na oração». Daqui deriva o seu famoso axioma: «Quem reza, salva-se» (Del gran mezzo della preghiera e opuscoli affini. Opere ascetiche II, Roma 1962, p. 171). A este propósito, volta-me ao pensamento a exortação do meu predecessor, o Venerável Servo de Deus João Paulo II: «As nossas comunidades cristãs devem tornar-se “escolas de oração”... Então, é preciso que a educação para a oração se torne um ponto qualificativo de toda a programação pastoral» (Carta Apostólica Novo millennio ineunte, 33.34).

Entre as formas de oração aconselhadas fervorosamente por santo Afonso sobressai a visita ao Santíssimo Sacramento ou, como diríamos hoje, a adoração, breve ou prolongada, pessoal ou comunitária, diante da Eucaristia. «Sem dúvida — escreve Afonso — entre todas as devoções, a de adorar Jesus sacramentado é a primeira depois dos sacramentos, a mais querida a Deus e a mais útil para nós... Oh, como é bom permanecer diante de um altar com fé... e apresentar-lhe as próprias necessidades, como faz um amigo a outro amigo, no qual se tem toda a confiança!» (Visitas ao Santíssimo Sacramento e à Santíssima Maria para cada dia do mês. Introdução). Com efeito, a espiritualidade afonsiana é eminentemente cristológica, centrada em Cristo e no seu Evangelho. A meditação do mistério da Encarnação e da Paixão do Senhor é frequentemente objecto da sua pregação. Com efeito, nestes acontecimentos a Redenção é oferecida «abundantemente» a todos os homens. E precisamente porque é cristológica, a piedade afonsiana é também requintadamente mariana. Devotíssimo de Maria, ele explica o seu papel na história da salvação: Sócia da Redenção e Medianeira da graça, Mãe, Advogada e Rainha. Além disso, santo Afonso afirma que a devoção a Maria nos será de grande conforto na hora da nossa morte. Ele estava persuadido de que a meditação sobre o nosso destino eterno, sobre a nossa chamada a participar para sempre nas bem-aventuranças de Deus, assim como sobre a trágica possibilidade da danação, contribui para viver com serenidade e empenhamento, e para enfrentar a realidade da morte, conservando sempre plena confiança na bondade de Deus.

Santo Afonso Maria de Ligório é um exemplo de pastor zeloso, que conquistou as almas pregando o Evangelho e administrando os Sacramentos, unido a uma maneira de agir caracterizada por uma bondade suave e mansa, que nascia da relação intensa com Deus, que é a Bondade infinita. Ele tinha uma visão realisticamente optimista dos recursos de bem que o Senhor concede a cada homem, e dava importância aos afectos e aos sentimentos do coração, mas também da mente, para poder amar a Deus e ao próximo.

Como conclusão, gostaria de recordar que o nosso santo, analogamente a são Francisco de Sales — sobre o qual já falei há algumas semanas — insiste em dizer que a santidade permanece acessível a cada cristão: «O religioso como religioso, o secular como secular, o sacerdote como sacerdote, o casado como casado, o mercador como mercador, o soldado como soldado, e assim por diante com todas as outras condições» (Prática de amar Jesus Cristo. Obras ascéticas i, Roma 1933, p. 79). Demos graças ao Senhor que, com a sua Providência, suscita santos e doutores em diferentes lugares e tempos, que falam a mesma linguagem para nos convidar a crescer na fé e a viver com amor e alegria o nosso ser cristãos, nos gestos simples de cada dia, para caminhar pela vereda da santidade, pela estrada rumo a Deus e à verdadeira alegria. Obrigado!

 Fonte: Site do Vaticano

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