terça-feira, 1 de outubro de 2019

A Graça da Discrição - por São João Cassiano

            Após termos dormido um pouco nas primeiras horas da manhã, finalmente vimos com alegria o raiar do dia, e logo passamos a reclamar a conferência prometida. O bem-aventurado Moisés assim começou: Quando vos vejo inflamados por tão grande desejo, mal posso acreditar que os poucos instantes subtraídos à conferência para vosso repouso vos possam ter reparado as forças. Ao considerar, porém, vosso fervor, sinto-me tomado por maior solicitude, pois reconheço que meu zelo em atender-vos deve ser tanto maior quanto vosso empenho em exigi-lo. Pois a Escritura diz: Se te assentas à mesa com um grande, procura reconhecer sabiamente o que te servem, e usa a tua mão, sabendo que igual festim deveras preparar (Pr 23,1-2 - LXX). 
           Passaremos, portanto, a discorrer sobre o bem e a eficácia da discrição e de sua virtude da qual começávamos a tratar, quando interrompemos a conferência da noite. Parece-nos, pois, oportuno ressaltar o seu valor, a partir das sentenças de nossos Pais. Conhecidos seus pensamentos e ditos, mencionarei diversas pessoas cuja queda antiga ou recente, outra causa não teve senão o menosprezo por tal virtude. Por isso, de acordo com nossas possibilidades, trataremos de sua utilidade e de seus benefícios. Enfim, persuadidos de sua excelência e dignidade, poderemos, com maior proveito, instruir-nos sobre a maneira de alcançá-la e aperfeiçoá-la.
       Na verdade, a discrição não é uma virtude medíocre, que possa ser alcançada, casualmente, apenas por nossa diligência. Ela deve ser considerada um dom com que a liberalidade divina nos agracia. Aliás, o Apóstolo a enumera entre os mais nobres dons: A um o Espírito dá a mensagem de sabedoria; a outro, a palavra de ciência, segundo o mesmo Espírito; a outro o Espírito dá a fé; a outro, ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas (ICor 12,8-9). E pouco adiante: A outros o discernimento dos espíritos (ou discrição) (id. 10). Depois, completada a lista dos carismas espirituais, ele acrescenta: Mas é o único e mesmo Espírito que isso tudo realiza, distribuindo os seus dons a cada um, conforme lhe apraz (id. 11). 
         Vedes, portanto, que o dom da discrição nada tem de terrestre ou de pequeno, mas é uma dádiva magnífica da graça divina. Se o monge não põe todo o seu empenho em alcançá-la e não é capaz de discernir com segurança os espíritos, ele, inevitavelmente, qual homem que anda errante numa noite escura por espessas trevas, não só será a vítima fatal de armadilhas e precipícios como também, certamente, tropeçará com bastante frequência, mesmo ao percorrer caminhos planos e retos.

Sobre o benefício que só a discrição concede ao monge. 
Discurso do abade Antão sobre esse assunto

         Lembro-me de que, outrora, nos anos de minha infância, na região da Tebaida, onde morava o bem-aventurado Antáo, alguns dos antigos o procuravam para interrogá-lo a respeito da perfeição. A conferência do monge então se alongava da hora de Vésperas até o amanhecer, ocupando esse assunto a maior parte da noite. Insistentemente inquiríamos qual a virtude ou observância que seria mais capaz de guardar o monge das artimanhas e ilusões do demônio, fazendo-o, ao mesmo tempo, galgar em linha reta e com passo firme os cumes da perfeição. Cada um dava sua opinião de acordo com seu próprio entendimento. Uns julgavam que isso devia ser conseguido pela dedicação aos jejuns e vigílias através dos quais, a alma espiritualizada, tendo conseguido a pureza do corpo e do coração, podia com maior facilidade unir-se a Deus. Outros consideravam ser a renúncia a todas as coisas que, despojando a alma completamente de todos os laços, fazia com que essa chegasse a Deus mais desembaraçada. Alguns, ainda, achavam indispensável a anacorese, isto é, o afastamento do mundo e o retiro para o recesso do deserto, onde os colóquios com Deus se tornam mais familiares e mais íntima a união com ele.
           Finalmente, havia ainda os monges que priorizavam a prática da caridade, isto é, os serviços de hospitalidade, aos quais o Senhor, no Evangelho, de maneira especial, prometera dar o reino dos céus: Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino que vos foi preparado desde o início do mundo. Pois tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber (Mt 25,34-35). E assim, enquanto eles atribuíam a diversas virtudes o poder de abrir um caminho mais seguro para Deus, consumiam, nessa indagação, a maior parte da noite. Finalmente, o bem- -aventurado Antão tomou a palavra: tudo quanto dissestes é necessário e útil aos que têm sede de Deus e anseiam por encontrá- -lo. Mas, atribuir-lhes o principal mérito para chegar a tal meta, não nos é permitido, em virtude das experiências e quedas de muitos irmãos.
           Na verdade, quantas vezes vimos os que se entregavam aos mais duros jejuns e vigílias retirar-se à mais absoluta solidão, provocando a maior admiração, lançar-se em tal des- pojamento de bens que não admitiam sequer guardar para si os víveres para um dia, nem mesmo uma só moeda, desempenhando, também, com toda a dedicação, os deveres da hospitalidade; no entanto, de repente, de tal modo foram ludibriados que não puderam levar a bom termo a obra iniciada, concluindo, com um fim abominável, tão grande fervor e vida tão meritória.
       No entanto, se procurarmos com exatidão a causa de tal ilusão e de tal queda, poderemos reconhecer, com toda a evidência, a principal virtude capaz de nos conduzir a Deus. Pois, embora as obras daquelas virtudes superabundassem neles, foi suficiente a falta da discrição para que não pudessem perseverar até o fim. Não se pode realmente descobrir outra causa para essa ruína, a não ser que, não tendo tido a felicidade de receber a formação por parte dos antigos, não lhes foi possível adquirir a virtude da discrição a qual, evitando os dois excessos contrários, ensina o monge a caminhar na estrada real. Pois, nem o deixa desviar-se para a direita, num excesso de fervor pelas virtudes, com as quais presume ingenuamente ir além dos limites da justa temperança, nem lhe permite descambar para a esquerda, seduzido pelo relaxamento e o vício e, sob o pretexto de bem governar o corpo, instalar-se numa indolente tibieza da alma. É essa a discrição que é chamada pelo Evangelho de olho e lâmpada do corpo, conforme a palavra do Salvador: Se o teu olho estiver são, todo o teu corpo ficará iluminado; mas se o teu olho estiver doente, todo o teu corpo ficará escuro (Mt 6,22-23). Isso porque, discernindo todos os pensamentos e atos dos homens, ela examina atentamente e vê, com luminosa claridade, tudo quanto devemos fazer.
       Entretanto, se esse olho for mau, isto é, desprovido de ciência e de juízo seguro, ou estiver iludido pelo erro e a presunção, tornar-se-á tenebroso e todo o nosso corpo, e toda a penetração da inteligência e toda a atividade serão obscu- recidos, pois que o vício cega e a paixão é a mãe das trevas. Pois se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão as trevas! (id. 23). Ninguém pode duvidar que, se nosso julgamento é falso, e se encontra mergulhado na noite da ignorância, também nossos pensamentos e nossas obras que derivam desse julgamento serão cobertos das trevas dos pecados.

O erro em que Saul e Acab caíram pela ignorância da virtude da discrição

           Aquele que, por juízo de Deus, foi o primeiro a merecer o reino de Israel, não teve esse olho da discrição, pois todo o corpo, de certo modo, estava envolto em trevas, acabando ele por ser derrubado do trono. Iludido pelos erros e trevas de sua lâmpada, julgou que seus sacrifícios fossem mais agradáveis a Deus do que a obediência ao mandamento de Samuel. E aquilo mesmo com que contara aplacar a majestade divina, foi-lhe na verdade, causa de revés (cf. lRs 15). Foi igualmente a ignorância da discrição que levou Acab, rei de Israel, depois do magnífico triunfo que obteve por favor divino, a julgar que a misericórdia fosse superior à execução severíssima da ordem divina, por demais cruel a seus olhos. Abalado por essa ideia, preferiu temperar a cruenta vitória com a clemência. Sua indiscreta piedade, no entanto, transforma-o totalmente em trevas, e ele é condenado a uma morte irrevogável.

Referências nas Sagradas Escrituras ao bem da discrição

          Ê essa a discrição que, após ser chamada lâmpada do nosso corpo, recebe do Apóstolo o título de sol, de acordo com a seguinte palavra da Escritura: Não se ponha o sol sobre a vossa cólera (Ef 4,26). Ainda é denominada leme de nossa vida, conforme outra palavra também da Escritura: Os que não têm leme, caem como folhas (Pr 11,14). Outro nome pelo qual merecidamente também a chamam é o de conselho, porquanto, sem conselho, a Escritura nada nos permite fazer; nem mesmo beber o vinho espiritual que alegra o coração do homem (SI 103,15), pois ela nos ordena o seguinte: Faze tudo com conselho, bebe o vinho com conselho (Pr 31,3), e mais: Como uma cidade de muros abatidos e sem defesa, assim é o homem que não age com conselho (Pr 25,28). De acordo também com essa outra passagem da Escritura, compreendemos quanto a falta de discrição é prejudicial ao monge que, privado de tal virtude, é comparado a uma cidade arrasada e destituída de muros.
          Na discrição se encontram a sabedoria, a ciência e o julgamento. Sem tais virtudes é impossível edificar nossa morada interior e amealhar as riquezas espirituais. Pois a Escritura afirma: Com sabedoria se edifica a casa, e com inteligência ela é levantada; com o julgamento enchem-se os celeiros de todos os bens preciosos e bons (Pr 24,3-4). A discrição é ainda, conforme a Escritura, o alimento sólido que só pode ser recebido pelos perfeitos e robustos: O alimento sólido épara os perfeitos, para aqueles que têm os sentidos exercitados pelo hábito, para a discrição do bem e do mal (Hb 5,14). Comprovadamente essa graça é tão útil e necessária, que é até comparada à palavra de Deus e às suas virtudes: Pois é viva e eficaz a Palavra de Deus, e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes; penetra até dividir a alma e o espírito, junturas e medulas. Ela julga as disposições e intenções do coração (Hb 4,12).
      Tudo isso mostra com clareza que nenhuma virtude, sem a graça da discrição, pode chegar à perfeita consumação ou mesmo subsistir. Assim foi estabelecido, não só pelo bem-aventurado An- tão, como por muitos outros, ser a discrição a virtude que conduz o monge a Deus, com passo firme e destemido. É graças a ela que se conservam indenes as virtudes acima mencionadas e podem ser galgados com menor dificuldade os cumes da perfeição, pois sem ela muitos, apesar de grande empenho e esforço, não puderam atingir aquela meta. Por isso a discrição é a mãe, a guardiã e a moderadora de todas as virtudes.

São João Cassiano. Conferência: Proêmio do abade Moisés sobre a graça da discrição. Espiritualidade Monástica. p. 57-59.


sábado, 28 de setembro de 2019

A imortalidade da alma - por São João Cassiano


       Por esse motivo, saiba cada um, desde agora, enquanto se acha neste corpo, que lhe será destinado o lugar e o ministério em que, na vida presente, se mostrou um membro devotado. E não duvide também que, no século futuro, terá a mesma sorte daquele a quem serviu e por cuja companhia já se decidiu. É a sentença do Senhor que diz: Se alguém quer servir-me, siga-me; e onde estou eu, aí também estará o meu servo (Jo 12,26). Assim como alguém, pela convivência com o vício, acolhe o reino do diabo, assim também, possuirá o Reino de Deus pela prática das virtudes, pela pureza do coração e pela ciência espiritual. Mas, onde está o Reino de Deus, aí também está, verdadeiramente, a vida eterna. 
        Do mesmo modo, onde se encontra o reino do diabo, com toda a certeza, ali também estão a morte e o inferno. E, quem ali permanece, jamais terá a possibilidade de louvar o Senhor, de acordo com as palavras do profeta: Os mortos não vos louvarão, Senhor, nem todos os que descem para o inferno (sem dúvida para o inferno do pecado), mas nós que vivemos (não para o vício, nem para este mundo, mas para Deus), bendizemos o Senhor, desde agora epara sempre (SI 113,17-18). Porque não há na morte ninguém que se lembre de Deus; no inferno (do pecado), quem louvará o Senhor? (SI 6,6). O que significa: ninguém. De fato, ninguém, embora milhares de vezes se tenha professado cristão ou monge, louva o Senhor quando peca.
          Porquanto ninguém se lembra de Deus quando comete o que é abominável aos olhos do Senhor nem, de verdade, se declara servo daquele, cujos mandamentos despreza, com obstinada temeridade. É dessa morte que está morta a viúva que vive nas delícias, como afirma o santo Apóstolo: A viúva que vive nas delícias, embora ainda viva, já está morta (lTm 5,6). Existem muitos que, embora estejam vivos corporalmente, todavia, já estão mortos e jazem no inferno sem poder louvar a Deus. Em contrapartida, porém, existem os que, mortos no corpo, louvam o Senhor pelo espírito, segundo a palavra: Bendizei ao Senhor, espíritos e almas dos justos (Dn 3,86). E ainda: Todo o espírito louve o Senhor (SI 150,6). Também o Apocalipse afirma que: As almas dos imolados não apenas louvam a Deus, mas clamam por ele (cf. Ap 6,9-10). E no Evangelho o Senhor fala ainda com mais limpidez: Não lestes o que Deus vos declarou: Eu sou o Deus de Abraão, Deus de Isaac e o Deus de Jacó? Ora, ele não é o Deus dos mortos, mas sim dos vivos (Mt 22,31-32). 
         Com efeito, todos vivem para Deus. É referindo- -se a eles que diz o Apóstolo: Eles aspiram a uma pátria melhor, isto é, a uma pátria celestial. E por isso que Deus não se envergonha de ser chamado o seu Deus. Pois, de fato, preparou-lhes uma cidade (Hb 11,16). Pois as almas, depois de separadas de seus corpos, não ficam inativas, nem privadas de sentimentos, conforme nos narra a parábola do pobre Lázaro e do homem rico vestido de púrpura. O primeiro merece o lugar da suprema felicidade, o repouso no seio de Abraão; o segundo é abrasado pelo intolerável ardor do fogo eterno (cf. Lc 16,18ss). E, se quisermos, igualmente, atentar para o que Jesus disse ao ladrão, ouviremos: Hoje estarás comigo no paraíso (Lc 23,43); e teremos, assim, a evidência de que não só as almas permanecem com seus conhecimentos anteriores, mas que também desfrutam de um destino condizente com a vida e os méritos que tiveram. 
         O Senhor jamais teria feito tal promessa ao ladrão, se soubesse que, após a separação do corpo, sua alma seria privada de sentimentos ou diluída no nada. Não era seu corpo, mas sua alma que deveria entrar com Cristo no paraíso. Convém, pois, evitar, ou melhor, abominar a perversa distinção de certos heréticos que, não acreditando no poder de Cristo de estar no céu no mesmo dia em que desceu aos infernos, fazem a seguinte interpretação, cortando assim a sentença: Em verdade eu te digo boje e, fazendo aí uma interrupção, acrescentam: Estarás comigo no paraíso. Logo, de acordo com tal interpretação, não deveríamos compreender tal promessa como se ela se fosse realizar imediatamente, logo após a morte, mas como um anúncio de algo que se realizaria só depois da ressurreição. Tais intérpretes não compreenderam aquilo que Jesus, antes da ressurreição, disse aos judeus que acreditavam ser o Mestre, como eles mesmos, sujeito aos estreitos limites da humanidade e da fraqueza da carne: Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem (Jo 3,13). Tudo isso prova claramente que as almas dos defuntos não ficam privadas das faculdades intelectuais, nem de sentimentos, tais como a esperança, a tristeza, a alegria e o medo. E, além disso, já começam a antegozar algo do que lhes estaria reservado no juízo universal. 
        Enfim, as almas dos falecidos não se diluem no nada, como julgam alguns incrédulos, mas, ao contrário, subsistem de maneira mais intensa, e se entregam ao louvor divino com fervor ainda maior. E se, de fato, deixarmos por um momento o testemunho das Escrituras, para tratarmos da natureza da alma, de acordo com a mediocridade da minha inteligência, penso que seria o cúmulo, já náo digo da fatuidade, mas até mesmo da loucura, supor, embora momentaneamente, que a parte mais preciosa do homem, a que traz em si, segundo o santo Apóstolo, a imagem e a semelhança de Deus (cf. ICor 11,7; Cl 3,10), uma vez destituída do fardo corporal que a embota, se pudesse tornar insensível? Justamente a alma que sozinha contém em si a força da razáo e propicia a sensibilidade, por sua participação na matéria muda e inanimada da carne tornar-se-ia insensível? É absolutamente lógico e conforme à reta ordem da razáo, concluir que a alma, livre desse invólucro carnal que a entorpece, recupere, em melhores condições, suas faculdades intelectuais, que devem estar ainda mais purificadas e sutis. O bem-aventurado Apóstolo está a tal ponto convicto dessa verdade, que chega a desejar sair da própria carne para assim poder unir-se intimamente a Deus: Meu desejo é partir e ir estar com Cristo, pois isso me é muito melhor (F1 1,23). Porque, enquanto estamos no corpo, estamos em exílio, longe do Cristo (2Cor 5,6). Pois estamos cheios de confiança e preferimos deixar a mansão deste corpo para ir morar junto do Senhor. E também por isso que nos esforçamos para agradar-lhe, quer permaneçamos em nossa mansão, quer a deixemos (2Cor 5,8-9). 
         Assim, declara ele que a habitação na carne é um exílio longe do Senhor e uma ausência em relação a Cristo, ao passo que confia, com toda a fé, que a separação deste corpo corresponde à presença junto a Cristo. Com clareza ainda maior, ele fala, em outra passagem, sobre a vida intensa que usufruem as almas que estão perto do Senhor. Vós vos aproximastes do monte Sião e da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste, e de milhões de anjos reunidos em festa, e da assembléia dos primogênitos cujos nomes estão inscritos nos céus e de Deus, o Juiz de todos e dos espíritos dos justos que chegaram à perfeição (Hb 12,22-23). Ainda numa alusão aos espíritos bem-aventurados, em outra passagem ele afirma: Tivemos os nossos pais segundo a carne como educadores e os respeitávamos. Não haveremos de ser muito mais submissos ao Pai dos espíritos, afim de vivermos? 

São João Cassiano. Conferência: A IMORTALIDADE DA ALMA. Espiritualidade Monástica. p. 37-41.

terça-feira, 30 de abril de 2019

4 orações de Padre Pio a Virgem Maria



Rezemos à nossa Mãe com as palavras deste grande santo

São Padre Pio de Pietrelcina era devoto fervorosíssimo da Virgem Maria, que chamava carinhosamente de Mamma (Mamãe). Padre Pio, como é mais conhecido, rezava continuamente a Nossa Senhora, pedindo as graças de que é dispensadora, suplicando a sua intercessão, o seu cuidado materno.

As orações deste grande santo são frutos de uma profunda intimidade com Deus, como podemos perceber em suas palavras:

“Assim que me ponho a rezar, logo sinto o coração como que invadido por uma chama de amor; essa chama não tem nada a ver com qualquer chama deste baixo mundo. É uma chama delicada e muito doce, que consome e não causa sofrimento algum. Ela é tão doce e tão deliciosa, que o espírito prova sua complacência e permanece saciado, mas sem perder o desejo – oh Deus! –, algo que me parece maravilhoso e que talvez jamais consiga compreender, a não ser na pátria celeste[1].”

Depois de conhecer um pouco a vida de oração de São Pio de Pietrelcina, vejamos quatro de suas orações dirigidas a Virgem Maria, que providencialmente temos acesso graças ao seu Epistolário, ou seja, às suas cartas:


Minha Mãe, Maria

Mãe de misericórdia,
tem piedade de mim!
Deverias compreender,
minha querida Mãe,
que se o fiz,
o fiz unicamente
por obedecer!


“Não te preocupes
que os outros pensem
a teu respeito
tantas coisas estranhas,
nós vamos te defender;
até o momento eles te aborreceram,
mas agora terão de acertar
as contas conosco”[2].

Virgem Imaculada


Santíssima Virgem Imaculada
e minha Mãe, Maria,
a ti que és a Mãe do meu Senhor,
a rainha do mundo,
a advogada, a esperança,
o refúgio dos pecadores, recorro hoje,
eu que sou o mais miserável de todos.
Eu te venero, ó grande Rainha,
e te agradeço
todas as graças que me concedeste até agora,
sobretudo por me teres libertado do inferno,
tantas vezes por mim merecido.
Eu te amo, Senhora Amabilíssima,
e pelo amor que te devoto,
prometo querer sempre servir-te
e fazer tudo o que posso
para que também sejas amada pelos outros.
Deposito em ti todas as minhas esperanças,
toda a minha saúde.
Aceita-me como teu servo
e acolhe-me sob o teu manto,
ó Mãe de misericórdia.
E visto que és tão poderosa com Deus,
liberta-me tu de todas as tentações;
ou dai-me forças
para vencê-las até a morte.
A ti peço o verdadeiro amor
a Jesus Cristo.
De ti espero ter uma boa morte.
Minha Mãe, pelo amor que nutres para com Deus,
peço-te que me ajudes sempre,
mas muito mais no último instante da minha vida.
Não me deixes até que não me vejas
já salvo no céu a bendizer-te
e a cantar as tuas misericórdias
por toda a eternidade! Amém[3].

Eu te suplico, minha Mãe


Ó celestial tesoureira de todas as graças,
Mãe de Deus e minha, Maria,
porque és a filha primogênita
do eterno Pai
e tens na mão a sua onipotência,
tem piedade de minh’alma
e concede-me a graça
pela qual fervidamente te suplico…
Ave, Maria…

Ó misericordiosa dispensadora
das graças divinas,
Maria Santíssima,
tu que és a Mãe
do eterno Verbo encarnado,
que te coroou
com imensa sabedoria,
considera a grandeza da minha dor
e concede-me a graça
de que tanto necessito…
Ave, Maria…

Ó amorosíssima dispensadora
das graças divinas,
imaculada esposa
do eterno Espírito Santo,
Maria Santíssima,
tu que dele recebeste um coração
capaz de ter piedade
das humanas desventuras
e não pode resistir sem consolar quem sofre,
tem piedade de minh’alma
e concede-me a graça que espero
com plena confiança na tua imensa bondade…
Ave, Maria…

Sim, ó minha Mãe,
tesoureira de todas as graças,
refúgio dos pobres pecadores,
consoladora dos aflitos,
esperança dos desesperados
e auxílio poderosíssimo dos cristãos,
eu deposito em ti toda a minha confiança
e estou certo de que me obterás de Jesus
a graça que tanto desejo,
desde que seja para o bem de minh’alma.
Salve, Rainha…[4]

Eu te saúdo, Maria


Eu te saúdo, Maria,
filha amada do Pai eterno.

Eu te saúdo, Maria,
virgem Mãe do Filho de Deus.

Eu te saúdo, Maria,
esposa imaculada do Espírito Santo.

Eu te saúdo, Maria,
templo vivo da Santíssima Trindade.

Eu te saúdo, Maria,
concebida sem mancha alguma de pecado,
toda pura e santa.

Eu te saúdo, Maria,
virgem puríssima
antes do parto, no parto, após o parto.

Eu te saúdo, Maria,
Mãe dolorosa,
Rainha dos mártires,
coração dos corações que sofrem.

Eu te saúdo, Maria,
estrela do nosso caminho,
fonte da nossa esperança,
fonte puríssima de alegria,
porta do paraíso.

Eu te saúdo, Maria,
consoladora dos aflitos,
mãe do belo e casto amor das almas virgens,
porto sereno de paz.

Eu te saúdo, Maria,
mediadora potentíssima e piedosa de todas as graças,
aurora suspirada do dia eterno,
prelúdio suavíssimo sobre a terra
da maravilhosa harmonia dos céus.

Eu te saúdo, Maria,
rainha dos anjos e dos santos,
rainha nossa,
soberana Patrona da Ordem Seráfica.

Eu te saúdo, Maria,
refúgio dos pecadores,
mãe dulcíssima.
Amo-te muito muito,
ó bela mãe,
ó minha mãe,
conserva-me puro.
Leva-me a Jesus.
Salve, ó Maria[5].

Links relacionados:

PADRE PAULO RICARDO. Fica comigo, Senhor!

Referências:

[1] PADRE PIO. Minha orações, p. 10 (Epistolário 1, 461).
[2] Idem, p. 103 (Epistolário 1, 361-362).
[3] Idem, p. 105-105.
[4] Idem, p. 106-107.
[5] Idem, p. 108-110.

(Via Todo de Maria e Aleteia)

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Um Botão de Rosa Para as Crianças - São Luís Maria Grignion de Montfort

   
      Queridos amiguinhos, ofereço-lhes este belo botão de rosa: uma das contas de seu Rosário, que lhes parece tão insignificante. Mas se vocês soubessem quão preciosa esta conta é! Este maravilhoso botão se abrirá numa espetacular rosa, caso vocês rezem suas Ave Marias com devoção. 
Seria muito esperar que vocês rezassem os quinze mistérios todos os dias, mas que então rezem pelo menos cinco mistérios, e os rezem com o devido amor e devoção. Este Rosário será seu pequeno diadema de rosas, sua coroa para JESUS e Maria. Mas, por favor prestem atenção em cada palavra que eu disse e ouçam cuidadosamente uma história verídica que eu vou lhes contar, na esperança de que se lembrem sempre dela. 
“Duas meninas (duas irmãzinhas) rezavam muito belamente o Rosário e com devoção em frente de sua casa. Uma linda Senhora apareceu de repente, e se dirigiu à mais nova, que tinha somente seis ou sete anos, pegou-a pela mão, e a levou embora. Sua irmã mais velho ficou pasmada e começou a procurar pela pequena menina por todo o lugar. Por fim, não a encontrando, ela voltou para a casa e comovida contou a seus pais que sua irmã havia sido raptada. Por três dias completos, os pobres pais procuraram a criança, mas não conseguiram encontrá-la. 

Ao fim do terceiro dia, eles a encontraram na porta da frente se mostrando extremamente alegre e feliz. Naturalmente eles perguntaram a ela onde havia estado e ela lhe disse que a Senhora a quem ela estava rezando o Rosário, levou-a a um lugar maravilhoso onde ela comeu coisas deliciosas. Ela disse que a Senhora também lhe deu um Bebezinho para segurar, que Ele era belíssimo e que ela O tinha beijado várias e várias vezes. Os pais, que tinham se convertido à Fé Católica há pouco tempo atrás, pediram para ver o Padre Jesuíta que os tinha instruído em seu ingresso na Igreja e que lhes tinha ensinado a devoção ao Santíssimo Rosário. Eles lhe contaram tudo o que acontecera e foi este próprio sacerdote que me contou esta história acontecida no Paraguai”.
       Então, caras crianças, imitem estas duas meninas e rezem o seu Rosário todo o dia como elas sempre o fizeram. Se o fizerem, vocês adquirião o direito de ir aos Céus para ver JESUS e Maria. Se não for o desejo d’Eles que vocês os vejam nesta vida, de qualquer forma depois que morrerem vocês o verão na eternidade. Amém. Assim o Seja. 


Livro: ''O Segredo Admirável do Santíssimo Rosário'' 


São Luís Grignion de Montfort

quarta-feira, 27 de março de 2019

Uma Roseira Mística para as Almas Devotas - por São Luís Maria Grignion de Montfort

      
       Boas e devotas almas, que andam na luz do ESPÍRITO SANTO eu creio que vocês não irão se importar se lhes der essa pequena roseira mística que vem diretamente dos céus e que deve ser plantada diretamente no jardim de suas almas. Ela não pode ferir a frangância das flores de suas contemplações; pois é uma roseira celestial e de sua fragrância é deliciosa. Não perturbará em quase nada na ordem de seu jardim tão bem plantado; porque, sendo em si própria toda pura e bem ordenada, a todos encaminha à ordem e à pureza. Se ela for cuidadosamente regada e cultivada propriamente, todos os dias, ela crecerá a uma tamanha extensão que, não somente não perturbará às demais devoções, como também as conservará e as aperfeiçoará.
      É claro que você entende o que eu estou a dizer, pois sois almas espirituais, esta roseira mística é constituída de JESUS e Maria com sua vida, morte e eternidade; suas verdes folhas são Mistérios Gozosos, os espinhos são os Dolorosos e as rosas são os Mistérios Gloriosos de JESUS e Maria. Os botões são a infância de JESUS e Maria, as rosas entrearbertas mostram-nos, ambos, em seu sofrimento, e as totalmente abertas mostram JESUS e Maria em sua glória e em seu triunfo. Uma rosa nos alegra por causa da sua formosura, aí estão JESUS e Maria nos Mistérios Gozosos. Seus espinhos são pontudos e ferem o que nos faz lembrá-los nos Mistérios Dolorosos, e, finalmente seu perfume é tão suave que todos a amam, e sua fragrância simboliza os Mistérios Gloriosos. 
       Por favor, não desprezem, pois, esta roseira maravilhosa e celestial, mas plantaia com suas proprias mãos no jardim de suas almas, tomando a resolução de rezar o Rosário todo o dia. Cultive-a e regue-a, rezando-o todos os dias e fazendo boas ações afofando a terra ao seu redor. Eventualemnte, você contemplará esta pequena semente que lhe dei, e que aparenta ser bem pequena agora, mas que com o tempo se tornará tão grande como uma árvore, tão grande que os pássaros nos Céus, ou seja, as almas predestinadas e contemplativas, nela farão morada e nela edificarão seus ninhos. E o melhor de tudo, alimentar-se-ão dos frutos da árvore, que não é outro que o adorável JESUS, a quem seja dada toda honra e glória para sempre e sempre. Amém. Assim Seja.

Livro: ''O Segredo Admirável do Santíssimo Rosário'' 
São Luís Grignion de Montfort

segunda-feira, 25 de março de 2019

Anunciação do Anjo à Santíssima Virgem - por Santo Efrém


«Grandes coisas fez em mim o Omnipotente» (Lc 1, 49)


Contemplai Maria, bem-amados, vede como Gabriel entrou em sua casa e que, ao ouvi-la perguntar  «Como será isso?», o servo do Espírito Santo deu a seguinte resposta: «Nada é impossível a Deus, para Ele tudo é simples». Ela acreditou no que ouvira e disse: «Eis a serva do Senhor». E o Senhor desceu, de uma forma que só Ele conhece: pôs-Se em movimento e veio como Lhe agradava; entrou nela sem que Ela o sentisse e Maria acolheu-O sem sofrimento. Ela trouxe dentro de si Aquele de que o mundo está cheio. Ele abaixou-Se para ser o modelo que renova a antiga imagem de Adão. 

Por isso, quando te anunciarem o nascimento de Deus, guarda silêncio. Que a palavra de Gabriel esteja presente no teu espírito, pois nada é impossível a esta gloriosa Majestade que Se abaixou por nós e que nasceu da nossa humanidade. Nesse dia, Maria tornou-se o Céu que contém a Deus, pois a divindade sublime veio fazer dela a sua morada. Nela, Deus fez-se pequeno sem enfraquecer a sua natureza, para nos fazer crescer. Nela, Ele Deus teceu para nós uma veste com a qual nos salvou.  Nela se cumpriram todas as palavras dos profetas e dos justos. Dela se elevou a luz que expulsou as trevas do paganismo. 

Numerosos são os títulos de Maria [...]: ela é o palácio no qual habitou o poderoso Rei dos reis, mas Ele não a deixou como viera, pois foi dela que Ele Se fez carne e que nasceu. Ela é o novo Céu no qual o Rei dos reis habitou; nela Se elevou Cristo e dela subiu para iluminar a criação, formada e talhada à sua imagem. Ela é a cepa de vinha que deu uvas; ela gerou um fruto superior à natureza; e Ele, se bem que diferente dela pela sua natureza, vestiu a sua cor quando nasceu dela. Ela é a fonte da qual brotaram as águas vivas para os sequiosos, e quantos aí se dessedentam dão frutos a cem por um.


Santo Efrém (c. 306-373)
Diácono da Síria, doutor da Igreja
Homilias sobre a Mãe de Deus, 2, 93-145
Fonte: Evangelho Quotidiano

quarta-feira, 6 de março de 2019

Os exercícios da Quaresma: a esmola, a oração, o jejum - Por São Pedro Crisólogo



Meus irmãos, começamos hoje a grande viagem da Quaresma. Levemos, pois, no navio todas as nossas provisões de alimento e bebida, colocando sobre elas a misericórdia abundante de que teremos necessidade. Porque o nosso jejum terá fome, o nosso jejum terá sede se não se alimentar de bondade, se não se dessedentar com misericórdia. O nosso jejum terá frio, o nosso jejum desfalecerá se o velo da esmola não o cobrir, se a capa da compaixão não o envolver.

Irmãos, a misericórdia está para o jejum como a primavera está para os solos: a suave brisa primaveril faz florescer os rebentos nas planícies; a misericórdia do jejum faz brotar as nossas sementes até à floração, fá-las encherem-se de frutos até à colheita celeste. A bondade está para o jejum como o óleo está para o candeeiro: tal como a matéria gorda do óleo alimenta a luz do candeeiro, e com tão pouco alimento o faz brilhar para o conforto de toda a noite, assim a bondade faz o jejum resplandecer, emitindo raios até atingir o brilho pleno da continência. A esmola está para o jejum como o sol está para o dia: o esplendor do sol aumenta o brilho do dia, dissipa a obscuridade das nuvens; a esmola que acompanha o jejum santifica a santidade do mesmo jejum e, graças à luz da bondade, remove dos nossos desejos tudo o que poderia ser mortífero. Em suma, a generosidade está para o jejum como o corpo está para a alma: quando a alma se retira do corpo, traz-lhe a morte; se a generosidade se afastar do jejum, é a morte deste.


São Pedro Crisólogo (c. 406-450)
bispo de Ravena, doutor da Igreja
Sermão 8; CCL 24, 59; PL 52, 208

Fonte: Evangelho Quotidiano

sábado, 26 de janeiro de 2019

Timóteo e Tito levam por todo o mundo a fé dos apóstolos - São Cirilo de Jerusalém



A Igreja é chamada católica ou universal porque está espalhada por todo o mundo, de uma à outra extremidade da Terra, e porque ensina, universalmente e sem erro, toda a doutrina que os homens devem conhecer, sobre as coisas visíveis e invisíveis, celestes e terrenas. É chamada católica também porque conduz ao verdadeiro culto toda a classe de homens, autoridades e súbditos, doutos e incultos. 

É católica finalmente porque cura e sara todo o género de pecados, tanto os da alma como os do corpo, e possui todo o género de virtudes, qualquer que seja o seu nome, em obras e palavras, e os mais diversos dons espirituais. Com toda a propriedade é chamada Igreja, quer dizer, assembleia convocada, porque convoca e reúne a todos na unidade, tal como o Senhor determina no Levítico: «Convoca toda a assembleia para a entrada da tenda da reunião» (8,3) [...]. E no Deuteronómio diz Deus a Moisés: «Convoca o povo para junto de Mim, a fim de ouvirem as minhas palavras» (4,10). [...] Também o salmista proclama: «Eu Te darei graças na solene assembleia, e Te louvarei no meio da multidão» (Sl 35,18) [...]. 

São Paulo Ordenando São Timóteo
Mas foi a partir das nações gentias que o Salvador instituiu uma segunda assembleia, a nossa Santa Igreja dos cristãos, acerca da qual disse a Pedro: «Sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do abismo nada poderão contra ela» (Mt 16,18). [...] E quando a primeira assembleia, fundada na Judeia, foi destruída, multiplicaram-se por toda a Terra as Igrejas de Cristo. Delas falam os salmos, que dizem: «Aleluia! Cantai ao Senhor um cântico novo, louvai-O na assembleia dos fiéis!» (149,1). [...] E é a respeito desta nova Igreja Santa e Católica que Paulo escreve a Timóteo: «Quero que saibas como deves proceder na casa de Deus, esta Igreja do Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade» (1Tm 3,15


São Cirilo de Jerusalém (313-350)
Bispo de Jerusalém, doutor da Igreja
18.ª Catequese aos Iluminandos, 23-25

Fonte: Evangelho Quotidiano

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Não sejas vã, ó minha alma...! (Santo Agostinho)





       Não sejas vã, ó minha alma, nem ensurdeças o ouvido do coração com o tumulto da tua vaidade. Ouve também: o mesmo Verbo clama que voltes. O lugar do descanso imperturbável está onde o Amor não é abandonado, a não ser que o Amor nos abandone primeiro. Eis como estas coisas passam, para outras lhes sucederem, e assim se formar de todas as partes este mundo, cá embaixo. "Afasto-me eu, porventura, para outro lugar?", diz o Verbo de Deus. Fixa aqui, ó alma, a tua mansão. Retribui-lhe tudo o que dele alcançaste, já que estás cansada de tantos enganos.


        Entrega à Verdade tudo o que tens recebido da Verdade, e não só não perderás nada, mas ainda a tua podridão reflorescerá, as tuas fraquezas serão curadas, as tuas frouxidões serão reformadas, rejuvenescidas e estreitamente unidas a ti, sem te colocarem na ladeira por onde descem, mas ficando contigo e permanecendo junto do Deus sempre estável e eterno.


       Por que é que tu, perversa, segues a tua concupiscência? Que ela te siga a ti, quando retrocederes. O que por ela sentes constitui partes, e tu ignoras o todo formado por essas partes que ainda te deleitam. Mas se a sensibilidade do teu corpo fosse apta para receber o todo - e se na parte do todo não tivesses recebido, para teu castigo, a justa limitação -, quererias que passasse o que presentemente existe, para que o conjunto mais te deleitasse. Ora, tu ouves pelos mesmos sentidos carnais o que pronunciamos, e certamente não queres que as sílabas parem, mas desejas que voem para outras lhe sucederem, para ouvires o conjunto. Do mesmo modo acontece com as partes que formam um todo sem que haja simultaneidade nas partes de que consta o todo. Deleita mais o todo uno, quando pode ser percebido, do que cada uma das partes. Mas quanto melhor que estas coisas é Aquele que as fez todas, o nosso Deus, que não passa porque nada Lhe sucede.


Santo Agostinho, Confissões, Livro IV, Cap. 11.
Fonte: Blog Anjos de Adoração
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...