quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A descoberta de Deus de Santo Agostinho



          Estimulado por estas leituras a voltar a mim mesmo, entrei, guiado por ti, no profundo de
meu coração, e o pude fazer porque te fizeste minha ajuda. Entrei, e vi com os olhos da alma,
acima desses mesmos olhos, acima de minha inteligência, a luz imutável; não esta vulgar e visível
a todos os olhos de carne, nem outra do mesmo gênero, embora maior. Era muito mais clara e
enchendo com sua força todo o espaço. Não, não era esta luz, mas uma luz diferente de todas
estas.

            Ela não estava sobre meu espírito como o azeite sobre a água, como o céu sobre a terra,
mas estava acima de mim porque me criou; eu lhe era inferior por ter sido criado por ela. Quem
conhece a verdade conhece a luz, e quem a conhece, conhece a eternidade. O amor a conhece!

            Ó eterna verdade, amor verdadeiro, amada eternidade! Tu és meu Deus. Por ti suspiro dia
e noite. Quando te conheci pela primeira vez, ergueste-me para me fazer ver que havia algo para
ser visto, mas que eu ainda era incapaz de ver. E deslumbraste a fraqueza de minha vista com o
fulgor do teu brilho, e eu estremeci de amor e temor. Pareceu-me estar longe de ti numa região
desconhecida, como se ouvira tua voz do alto: “Sou o pão dos fortes; cresce, e comer-me-ás. Não
me transformarás em ti, como fazes com o alimento da tua carne, mas tu serás mudado em mim”.

            E conheci então que “castigaste o homem por causa de sua iniqüidade”, e “que secaste
minha alma como uma teia de aranha”, e eu disse: Porventura não existe a verdade, por não ser
difusa pelos espaços finitos e infinitos? E tu me gritaste de longe: Na verdade, Eu sou o que sou.

            E eu ouvi como se ouve no coração, sem deixar motivo para dúvidas; antes, mais facilmente
duvidaria de minha vida que da existência da verdade, que se manifesta à inteligência pelas
coisas da criação.


Confissões, Cap X, Santo Agostinho

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