quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Chesterton - "Que queres como recompensa, Tomás?"


Quando Tomás se encontrava na tranquilidade da igreja de São Domingos, em Nápoles, ouviu-se uma voz que saía de uma imagem de Jesus Cristo crucificado; esta voz disse ao frade ajoelhado que ele tinha escrito bem, e propôs-lhe a escolha de uma recompensa dentre todas as coisas do mundo.

Creio que nem todos têm apreciado o significado desta história particular aplicada a este santo particular. É fato muito conhecido e frequente, se o consideramos simplesmente um oferecimento feito a um devoto da solidão ou da simplicidade, para escolher entre todas as coisas boas da vida. O eremita, verdadeiro ou fingido, o faquir, o fanático ou o cínico, o estilista em cima da sua coluna ou Diógenes na sua cuba podem representar-se tentados pelos poderes da terra, do ar ou dos céus, com a oferta do que há de melhor dentre todas as coisas, e a responder que de nada precisam. No cínico ou estóico grego realmente significava uma simples negação positiva, ou seja, que queriam o nada, que o nada era de fato o que queriam. Por vezes, expressava uma nobre independência e as virtudes gêmeas da Antiguidade: o amor da liberdade e o ódio do luxo. Outras vezes expressava só uma auto-suficiência, que é o verdadeiro oposto da santidade.

Mas as histórias e os santos desta espécie não abarcam o caso de Santo Tomás. Ele não era pessoa que não precisasse de nada, pois se interessava enormemente por tudo. A sua resposta não é tão inevitável ou simples como alguns possam supor. Comparado com muitos outros filósofos, tinha grande avidez na aceitação das coisas, fome e sede das coisas. Tinha como norma filosófica que há realmente coisas e não somente uma coisa, que a pluralidade existe tão realmente quanto a unidade. Não quero dizer coisas de comer, de beber ou de vestir, conquanto ele nunca negasse a estas o seu lugar na nobre hierarquia do ser, mas sim coisas para pensar, e especialmente coisas para provar, experimentar e conhecer.

Ninguém supõe que Tomás de Aquino, quando Deus lhe deu a escolher dentre todos os seus dons, fosse pedir um milhar de libras, a coroa da Sicília ou um vinho raro da Grécia. Mas podia pedir coisas que efetivamente desejava, pois que era homem que podia ter aspirações como, por exemplo, a do manuscrito perdido de São João Crisóstomo. Podia pedir a solução de qualquer dificuldade antiga, ou o segredo de uma ciência nova, ou uma chispa do inconcebível espírito intuitivo dos anjos, ou uma das mil coisas que teria satisfeito realmente o seu vasto apetite viril, tão vasto como a própria vastidão e variedade do universo.

A questão é que, para ele, quando a voz falou entre os braços abertos de Jesus Crucificado, estas braços estavam em verdade amplamente abertos e abrindo gloriosissimamente as portas de todos os mundos. Eram braços que apontavam para o oriente e o ocidente, para os extremos da terra, e para os próprios extremos da existência. Estavam em verdade abertos num gesto de onipotente generosidade: o próprio Criador a oferecer a própria criação, com todo o infinito mistério dos seres diversos e do coro triunfal das criaturas. É este o fundo esplendoroso da multiplicidade do ser, que dá força particular, e até uma espécie de surpresa, à resposta de Santo Tomás, quando levantou a cabeça finalmente e disse, com esta audácia quase blasfema que forma uma só coisa com a humildade da sua religião:
- Quero-Te a Ti.

G.K. Chesterton. Santo Tomás de Aquino. São Paulo: LTr, 2003. p. 117-118.
Fonte: GRAA

Um comentário:

  1. Belíssima poesia! Impossível não ver que a ovelha perdida sou eu mesmo, tantas vezes ingrato e podre! Rezem por mim e que Deus continue providenciando bênçãos e forças ao vosso apostolado!
    Salve Maria Santíssima, sem pecado concebida!

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