Belíssimo comentário de Santa Catarina sobre a parábola do Evangelho de São Mateus (Mt 25)
Carta 23
à sobrinha Nanna
Saudação e objetivo
Em nome de
Jesus Cristo crucificado e da amável Maria, caríssima filha no doce
Cristo Jesus, eu, Catarina, serva e escrava dos servos de Jesus Cristo,
escrevo-te no seu precioso sangue, desejosa de ver-te verdadeira esposa
de Cristo crucificado, a evitar tudo o que te impeça de ter Jesus como
bondoso e sublime esposo.
Nosso coração é como uma lâmpada
Pois tal
coisa não conseguiras, se não fores como aquelas virgens prudentes (Mt
25), consagradas a Cristo, que possuíam lâmpadas, óleo e luz. Presta
atenção. Para ser esposa de Cristo, e preciso ter uma lâmpada, o óleo e a
luz. Sabes, minha filha, o significado dessas coisas?
A lâmpada
significa o coração, o qual tem a forma de uma lâmpada. Bem sabes que a
lâmpada é larga no alto e estreita embaixo. Também nosso coração é
assim, para indicar que devemos possuí-lo espaçoso, em cima, para os
bons pensamentos, as santas imaginações e a oração contínua, retendo na
memória, continuamente, os favores divinos, sobretudo os benefícios do
sangue com que fomos remidos. Minha filha! O bondoso Jesus não nos
resgatou a preço de ouro, prata, pérolas e demais pedras preciosas, mas
com seu sangue. Tal favor nunca deve ser esquecido, sempre terá de estar
diante do nosso olhar com santa e terna gratidão, pois e incomensurável
o amor de Deus por nós. Deus Pai não recusou entregar seu Filho único a
uma cruel morte na cruz para nos dar a vida da graça.
Eu disse que
a lâmpada é estreita embaixo. Também nosso coração deve sê-lo em
relação às realidades terrenas. O coração não pode desejar tais bens
desordenadamente, nem desejá-los ou procurá-los mais do que for do
agrado divino. Vendo que Deus nos prove com amor, nada nos deixando
faltar, o coração sempre lhe será grato. Agindo assim, nosso coração
realmente será como uma lâmpada.
O óleo é a humildade
Recorda-te
porém, minha filha, de que tudo isso não basta se faltar o óleo na
lâmpada. Com a palavra "óleo" entende-se uma delicada e oculta virtude, a
grande humildade. Pois a esposa de Cristo tem de ser humilde, mansa e
paciente. Tão humilde quanto paciente, tão paciente quanto humilde. Mas
nunca alcançaremos a humildade sem o autoconhecimento.
E necessário
que reconheçamos a nossa miséria e fraqueza, convencidos de que por nós
mesmos somos incapazes de praticar qualquer ato virtuoso e superar
lutas internas e inquietações. Não somos capazes de afastar de nós as
doenças corporais, as dores, as dificuldades íntimas. Se fossemos
capazes, fa-lo-íamos imediatamente. De nós mesmos somos apenas vergonha,
miséria, mau cheiro, fraqueza e pecado. Importa-nos ficar sempre
embaixo, humildes.
Mas não é
bom permanecer apenas em tal conhecimento de si. A pessoa cairia no
desânimo e na perturbação, chegando até ao desespero. A isso procura
levar-nos o demônio. E necessário conhecer também a presença de Deus em
nós, refletindo que Ele nos fez à sua imagem e semelhança, nos recriou
pela graça no sangue do Verbo, seu Filho unigênito, e a bondade divina
age continuamente em nosso favor. Todavia, quem se reduzisse somente a
esse conhecimento de Deus em si, cairia na presunção e na soberba.
Ocorre
mesclar esses dois conhecimentos: não somente pensar em Deus, nem
somente em nós. Assim fazendo, seremos humildes, pacientes, mansos.
Possuiremos o óleo na lâmpada.
A luz é a fé
Devemos ter
também a luz, a luz da fé. Mas os Santos dizem que a fé sem as obras é
morta. Ocorre, pois, agir sempre virtuosamente, abandonar a
infantilidade das vaidades, não viver como jovem fútil, mas como esposa
fiel, consagrada a Cristo crucificado. Desse modo, teremos a lâmpada, o
óleo e a luz.
Deus é ciumento de suas esposas
Diz o
Evangelho (Mt 25,2) que as virgens prudentes eram cinco. Pois bem,
afirmo-te que cada um de nós há de "ser cinco", sob pena de ficar
excluído das núpcias eternas. A palavra "cinco" significa nossa
obrigação de dominar e mortificar os cinco sentidos corporais, jamais
ofendendo a Deus com eles, na procura de afeições ou prazeres
desordenados com todos ou alguns deles. Seremos "cinco" dominando os
cinco sentidos do corpo.
Mas
recorda-te: o esposo Jesus Cristo é ciumento de suas esposas; eu nem
saberia dizer-te quanto! Se ele nota que tu amas outras pessoas mais que
a Ele, ficará indignado contigo. E se não mudares (teu comportamento),
para ti não será aberta a porta do lugar onde o Cordeiro imaculado
celebra as núpcias com todas as suas esposas. Quais adúlteras, seremos
rechaçadas a semelhança daquelas cinco virgens imprudentes. Elas se
gloriavam única e tolamente da sua integridade e virgindade corporal;
por isso perderam a virgindade da alma, pela corrupção dos cinco
sentidos do corpo. Faltava-lhes o óleo da humildade e suas lâmpadas se
apagavam. Então foi-lhes dito: "Ide comprar o óleo" (Mt 25,9). Nessa
passagem o "óleo" indica os atrativos e engodos mundanos, vendidos pelos
aduladores e lisonjeadores do mundo. Como se o esposo dissesse: "Não
quisestes comprar a vida eterna pela virgindade e boas obras;
preferistes os galanteios humanos e por eles vivestes. Ide comprá-los.
Aqui não entrareis".
Catarina aconselha a vida consagrada
Minha filha,
toma cuidado com os elogios dos homens. Nunca procures ser elogiada por
alguma boa ação que praticares. Aporta da eternidade não te seria
aberta. E porque eu considero ótima aquela estrada (da vida consagrada),
disse antes que desejava ver-te fiel esposa de Cristo crucificado. Peço
e suplico que te esforces para o ser.
Conclusão
Nada mais acrescento. Permanecei no santo e doce amor de Deus. Jesus doce, Jesus amor!
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As Cartas, Santa Catarina de Sena - Tradução Frei João Alves Basílio, O.P. Editora Paulus
belíssima carta sabedoria inccomparável,deveria ser lido em conjunto da homilia quando na leitura deste evangelio.
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