quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Santa Teresa D'Avila fala do amor fraterno perfeitamente espiritual

 
 
Poderá parecer-vos descabido, irmãs, tratar eu deste assunto. Direis que já sabeis tudo isso que vos explico. Praza ao Senhor que assim seja e que o tenhais impresso nas entranhas, como é preciso.

Se o souberdes vereis que não minto quando afirmo que o Senhor atrai ao estado de perfeição a quem possui este amor. São almas generosas, almas régias, não se contentam com amar coisa tão ruim como os nossos corpos, por formosos que sejam, por muitos encantos que tenham.

Por certo os admiram, e louvam o Criador, porém, não se detêm neles de modo a lhes ter amor pelos atrativos exteriores. Pareceria amar coisa sem valor e ocupar-se em querer bem a uma sombra. Ficariam envergonhados e não teriam condições para, sem afronta, dizer depois a Deus que o amam.

Dir-me-eis: esses tais não sabem amar, nem corresponder ao afeto que se lhes tem. Na verdade, pouco se lhes dá de serem ou não queridos.

Se algumas vezes, no primeiro momento, por inclinação natural, gostam de se sentir amados, caindo em si, vêem que é disparate, a menos que se trate de pessoas capazes de lhes beneficiar a alma com doutrina ou com oração.

Qualquer outra amizade os cansa. Percebem que nenhum bem lhes faz, antes os prejudica. Não é que se descuidem de agradecer e retribuir aos amigos com sua intercessão junto de Deus, mas deixam tudo a cargo do Senhor. É coisa que lhe diz respeito e dele procede.

Em si mesmo não vêem motivo para serem queridos e apreciados. Pensam que se alguém lhes quer bem é porque Deus os ama. Deixam a Sua Majestade o cuidado de pagar, suplicam-lhe que o faça e ficam livres, como se a coisa não fosse com eles.

E, bem considerado, quando não se trata de pessoas que nos podem ajudar a conseguir os verdadeiros bens, às vezes penso que há grande cegueira neste desejo de sermos amados.

Notai agora: quando queremos o amor de alguém, sempre temos em vista um proveito ou nosso contentamento pessoal. Ora, essas almas perfeitas já trazem tudo debaixo dos pés: bens, satisfações e prazeres que o mundo lhes pode dar. Chegaram a tal ponto que, por assim dizer, ainda que queiram, não se podem deleitar senão em Deus, ou em tratar de Deus. Sendo assim, que interesse pode haver em serem amadas?

Convencidas desta verdade, riem-se de si mesmas e do tempo em que se afligiam por não saberem se era correspondido ou não o seu afeto. É muito natural querer a paga de uma boa amizade. Mas, cobrada esta, em que consiste? Palhinhas ocas e sem peso, que o vento leva...

E mesmo quando muito nos tenham querido, que é isto que nos resta? Essas almas perfeitas pouco se importam de serem ou não queridas, a não ser, repito, para seu aproveitamento espiritual, sabendo muito bem, dada a nossa natureza, que aqueles que nos ajudam, podem se cansar.

Parecer-vos-á que essas almas não amam como nós, nem sabem amar senão a Deus? Pois eu vos digo que amam muito mais, e com maior veemência, e com amor mais proveitoso e verdadeiro: enfim é amor.

São sempre muito mais afeiçoadas a dar que a receber, até com o próprio Criador. Asseguro-vos que só este amor merece tal nome, que essas outras afeições imperfeitas lhe têm usurpado o nome.

Perguntareis também: se estes não amam o que vêem, a que se afeiçoam? Na verdade, amam o que vêem e afeiçoam-se ao que ouvem, mas só vêem o que é durável, o que é eterno. Quando amam, passam para além dos corpos, põem os olhos nas almas, e procuram se há o que amar.

Se não houver, mas encontram algum germe de virtude ou alguma boa disposição, indício de ouro naquela mina, cavam e não poupam esforço. Não há coisa difícil que de boa vontade não façam para proveito daquela pessoa, porque desejam continuar a amá-la, mas sabem perfeitamente que é impossível se ela não tiver em si virtudes divinas e grande amor de Deus.

Sem essas virtudes não a podem amar, e ainda menos com afeto duradouro, por mais que essa pessoa faça os maiores obséquios e serviços, que morra de amor e possua todos os encantos da natureza reunidos: a amizade não terá força, nem poderá consolidar-se.

Ninguém pode enganar uma alma perfeita porque ela sabe por experiência, o valor das coisas terrenas. Quando não pensam do mesmo modo poderão amar-se por muito tempo? É amor que há de acabar com a vida, pois, se um não guarda a lei divina, e por conseguinte, não ama a Deus, os seus destinos serão diferentes.

Essas almas nas quais o Senhor infundiu verdadeira sabedoria, não querem amizades que só duram o tempo da vida, não lhes dão valor. Para quem deseja gozar as coisas do mundo - prazeres, honras e riquezas - esse amor terreno será válido quando o amigo é rico e possui meios de recreação e passatempo. Mas se nada disto interessa, nenhum caso faz de tal amizade.

Quando as almas perfeitas amam a alguém, desejam ardentemente que o amigo tenha amor a Deus, para ser também amado por ele. Sabem que de outro modo o amor não é durável.

É amizade que lhes custa muito caro: não há diligência que deixem de fazer para aproveitamento da pessoa amada. Mil vidas dariam para lhe obter um pequeno benefício espiritual. Ó precioso amor, que tão fielmente imita o comandante-chefe do amor, Jesus, nosso bem!

Sta Teresa D'Avila, Caminho de Perfeição
Créditos: Amor e Pobreza

Um comentário:

  1. Eu tinha lido essa parte no livro, mas não comprendi e agora consegui comprender tudo. Muito obrigado. Eu queria saber se tens o resto do livro traduzido nesta linguagem?

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