terça-feira, 29 de abril de 2014

O princípio do caminho que leva à loucura do amor de Deus é um amor confiado a Maria Santíssima - São Josemaria Escrivá



Porque Maria é Mãe, sua devoção nos ensina a ser filhos: a amar deveras, sem medida; a ser simples, sem essas complicações que nascem do egoísmo de pensarmos só em nós; a estar alegres, sabendo que nada pode destruir a nossa esperança. O princípio do caminho que leva à loucura do amor de Deus é um amor confiado a Maria Santíssima. Assim o escrevi há muitos anos, no prólogo a uns comentários ao Santo Rosário, e desde então voltei a comprovar muitas vezes a verdade dessas palavras. Não vou tecer aqui muitas considerações para comentar essa idéia: prefiro, antes, convidar cada um a fazer a experiência, a descobri-lo por si mesmo, procurando manter uma relação amorosa com Maria, abrindo-lhe o coração, confiando-lhe suas alegrias e penas, pedindo-lhe que o ajude a conhecer e a seguir Jesus.
 
É Cristo que passa, 143, 4
 
Fonte: Blog Opus Dei

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Jesus é preso, ligado e conduzido a Jersusalém - Santo Afonso Maria de Ligório



Comprehenderunt Iesum et ligaverunt eum — “Eles prenderam a Jesus e o ligaram” (Io. 18, 12)

Sumário. Imaginemos ver a Jesus, que, abandonado de seus discípulos, é preso, ligado e levado a desoras e com grande tumulto pelas ruas de Jerusalém. Ao verem-No assim, todos que O veneraram, já O odeiam e se envergonham de O terem tido pelo Messias. Se nós, à vista de um Deus tão humilhado por nosso amor e para nosso ensino, ainda amarmos os bens fugazes da terra, ambicionarmos as honras e preeminências, não somos dignos do nome de cristãos.

I. O Redentor, sabendo que Judas se aproximava, acompanhado dos Judeus e dos soldados, levanta-se, banhado ainda no suor da agonia mortal. Com o rosto pálido, mas com o coração todo abrasado em amor, vai-lhes ao encontro para se lhes entregar nas mãos, e vendo-os chegados perto, diz: Quem quaeritis? — “A quem buscais?” — Afigura-te, minha alma, que neste momento Jesus te pergunta também: Dize-me, a quem buscas? Ah, meu Senhor, a quem poderei buscar senão a Vós, que descestes do céu à terra para me buscar e não me ver perdido?

Comprehenderunt Iesum, et ligaverunt eum — “Eles prenderam a Jesus e o ligaram”. Ó céus, um Deus ligado! Que diríamos, se víssemos um rei preso e ligado pelos seus servos? E que dizemos agora vendo um Deus entregue às mãos da gentalha? Ó cordas bem-aventuradas! Vós que ligastes o meu Redentor, ah! Liga-me a Ele, mas liga-me de tal modo que nunca mais me possa separar de seu amor. — Considera, minha alma, como um lhe liga as mãos, outro o injuria, mais outro o empurra, e o Cordeiro inocente se deixa ligar e empurrar quanto quiserem. Não procura fugir das mãos deles, não chama por auxílio, não se queixa de tantas injúrias, nem mesmo pergunta por que é tratado assim. Eis, pois, realizada a profecia de Isaías: Oblatus est quia ipse voluit, et non aperuit os suum; sicut ovis ad occisionem ducetur (2) — “Foi oferecido, porque ele mesmo quis, e não abriu a sua boca; ele será levado como uma ovelha ao matadouro”.

Mas onde é que se acham os seus discípulos? Que fazem? Já não podendo livrá-Lo das mãos de seus inimigos, ao menos que o tivessem acompanhado para defenderem a inocência de Jesus perante os juízes, ou sequer para o consolarem com a sua presença! Mas não; o Evangelho diz: Tunc discipuli eius, relinquentes eum, omnes fugerunt (3) — “Então os seus discípulos desamparando-O, fugiram todos”. Qual não devia ser a tristeza de Jesus, vendo que até os seus discípulos queridos fugiam e O desamparavam? Mas, ó céus, então o Senhor viu ao mesmo tempo todas aquelas almas que, sendo por Ele mais favorecidas, haviam de abandoná-Lo depois e de Lhe virar as costas.

II. Ligado como um malfeitor, o nosso Salvador entra em Jerusalém, onde poucos dias antes fora aclamado com tantas honras e louvores. Passa a desoras pelas ruas, entre lanternas e tochas, e tão grande é o alarido e tumulto, que todos deviam pensar que se levava qualquer grande criminoso. A gente chega à janela e pergunta: quem é que foi preso? e respondem-lhe: Jesus, o Nazareno, que foi desmascarado como sendo um sedutor, um impostor, um falso profeta e réu de morte. — Quais não deviam ser então em todo o povo os sofrimentos de desprezo e indignação, quando viram Jesus Cristo, acolhido primeiro como o Messias, preso por ordem dos juízes, como impostor!

Ah! Como se trocou então a veneração em ódio, como se arrependeu cada um de O ter honrado, envergonhando-se de ter honrado um malfeitor, como se fosse o Messias! — Eis, pois, a que estado se reduziu o Filho de Deus para nos mostrar o nada das honras e dos aplausos do mundo! E como é que eu, apesar de ver um Deus tão humilhado e injuriado por meu amor, como é que eu hei de viver tão amante dos bens fugazes da terra, ambicionar as honras, as dignidades, as preeminências, e não saber sofrer o mínimo desprezo? Ai de mim, pecador e soberbo!

Donde, ó meu Senhor, me pode vir tamanho orgulho, depois que mereci tantas vezes o inferno? Meu Jesus, suplico-Vos pelos merecimentos dos desprezos que sofrestes, dai-me a graça de Vos imitar. Proponho com o vosso auxílio reprimir de hoje em diante todo o ressentimento e receber com paciência, alegria e contentamento todas as humilhações, todas as injúrias e todas as afrontas que me possam ser feitas. Proponho, além disso, para Vos agradar, fazer todo bem possível a quem me despreza; ao menos falarei sempre bem dele e rogarei por ele. Vós, ó meu Senhor, pelas dores de Maria Santíssima, fortalecei estes meus propósitos e dai-me a graça de Vos ser fiel. (*I 607.)
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1. Is. 53, 7.
2. Marc. 14, 50.


(Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 385-387.)


Fonte: Blog São Pio V

Jesus ora no Horto e sua sangue Santo Afonso



Tunc venit Iesus cum illis in villam, quae dicitur Gethsemani — "Então foi Jesus com eles a uma herdade, que é chamada Gethsemani" (Matth 26, 36)

Sumário. O Filho de Deus, para nos ensinar o modo de orar, pede no horto a seu Pai divino, que O exima de beber o cálice de sua Paixão; com resignação, porém, acrescenta que se conforma em tudo à divina vontade. Prostra-se com a face na terra, e é tão grande o temor, o aborrecimento e a tristeza que Lhe sobrevém pela previsão dos seus padecimentos e da nossa ingratidão, que chega a suar sangue vivo. Ah, meu pobre Senhor, se eu menos houvera pecado, Vós menos teríeis sofrido.

I. Finda que foi a ação de graças depois da Ceia, Jesus sai do cenáculo com os seus discípulos, entra no horto de Getsêmani e se põe em oração. Mas, ai! No mesmo instante assaltam-No juntos grande temor, grande aborrecimento e grande tristeza. Com o coração oprimido pela dor, o nosso Redentor diz que a sua alma bendita está triste até à morte: Tristis est anima mea usque ad mortem (1). — Jesus quis que então Lhe fosse presente aos olhos toda a funesta cena dos tormentos e opróbrios que Lhe estavam preparados. Na Paixão, estes tormentos afligiram-No um após outro; mas ali no horto vieram cruciá-Lo todos juntos, as bofetadas, os escarros, os açoites, os espinhos, os cravos e os vitupérios, que depois deveria sofrer. Submisso, aceita-os todos; mas, aceitando-os treme, agoniza e ora.

Mas, meu Jesus, quem Vos constrange a sofrer tantas penas? Constrange-me, responde, o amor que tenho aos homens. — Ah! Que assombro devia causar no céu o ver a força feita fraqueza! Um Deus aflito! E para que? Para salvação dos homens, suas criaturas! Naquele horto foi oferecido o primeiro sacrifício: Jesus foi a vítima, o amor, o sacerdote e o ardor de seu afeto para com os homens foi o fogo sagrado que consumiu o sacrifício.

Pater mi, si possibile est, transeat a me calix iste (2) — “Pai meu, se é possível, passe de mim este cálice”. Assim ora Jesus: Meu Pai, se é possível, isenta-me de beber este cálice tão amargoso. Mas Jesus ora assim, não tanto para ficar isento, como para nos fazer compreender a pena que padece e aceita por nosso amor. Ora assim também para nos ensinar que nas tribulações nos é permitido pedir a Deus que nos livre; mas ao mesmo tempo devemo-nos conformar em tudo com a vontade divina, e dizer o que Ele disse: Verumtamen non sicut ego volo, sed sicut tu (3) — “Todavia não seja como eu quero, mas sim como tu”.

Sim, meu Senhor, por vosso amor abraço todas as cruzes que me queiras enviar. Vós, embora inocente, padecestes tanto por meu amor, e eu, pecador como sou, depois de haver tantas vezes merecido o inferno, me recusei a sofrer para Vos agradar e obter de Vós o perdão e a graça! Non sicut ego volo, sed sicut tu; seja feita não a minha vontade, mas, sim, sempre a Vossa!

II. Procidit super terram (4). Durante a sua oração, Jesus prostrou-se com a face em terra, porquanto, vendo-se coberto com a vestidura sórdida de todos os nossos pecados, parece que se envergonhava de levantar os olhos ao céu. — Ó meu amado Redentor, não me animaria a Vos pedir perdão de tantas injúrias que Vos fiz, se as vossas penas e os vossos merecimentos não me dessem confiança. Eterno Pai: Respice in faciem Christi tui (5) — “Ponde os olhos no rosto de vosso Cristo"; olhai, não para as minhas iniqüidades, mas para esse vosso Filho dileto, que treme, que agoniza e sua sangue a fim de obter para mim o vosso perdão. Vede-O e tende piedade de mim.

Que! Jesus meu, não há nesse jardim para Vos suplicar nem algozes, nem açoites, nem espinhos, nem cravos; que é então que faz correr o vosso sangue? Ah! compreendo agora: não foi a previsão de vossos tormentos próximos a causa de vossa aflição, pois espontaneamente Vos oferecestes a sofrê-las. Foi a vista de meus pecados; eles foram o cruel lagar que fez correr o sangue de vossas sagradas veias. De sorte que não Vos foram desumanos os algozes, nem cruéis os açoites, os espinhos, a cruz; desumanos e cruéis vos foram, ó meu dulcíssimo Jesus, os meus pecados, que tanto Vos afligiram no horto. Se eu menos houvera pecado, menos houvéreis Vós padecido. Eis então, ó meu Jesus, como correspondi ao amor que vos trouxe a morrer por mim: não fiz mais que ajuntar novas penas e tantas outras que tivestes de sofrer.

Ó meu amado Senhor, pesa-me de Vos ter ofendido; sinto dor, mas não bastante; quisera conceber uma dor capaz de me tirar a vida. Ah! pela cruel agonia que sofrestes no horto, dai-me uma parte do horror que tivestes de meus pecados. Se outrora Vos afligi por minha ingratidão, fazei que Vos agrade daqui em diante por meu amor. — Ó Maria, Mãe das dores, recomendai-me a vosso Filho aflito e triste por meu amor. (I 606.)
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1. Marc. 14, 34.
2. Matth. 26, 39.
3. Ib.
4. Marc. 14, 35.
5. Ps. 83, 10.


(Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 382-384.)


Fonte: Blog São Pio V

sábado, 12 de abril de 2014

Última Ceia de Jesus Cristo com os seus discípulos - Santo Afonso



Vespere autem facto, discumbebat (Iesus) cum discipulis suis — “Chegada, pois, a tarde, pôs-se (Jesus) à mesa com os seus discípulos” (Matth. 26, 20).

Sumário: Imaginemos ver Jesus Cristo que, sentado à mesa com os discípulos, come o Cordeiro Pascal, figura do sacrifício d'Ele mesmo, que no dia seguinte seria oferecido sobre o altar da Cruz. Imaginemos vê-Lo também no momento de prostrar-Se diante dos Apóstolos e de Judas para lhes lavar os pés. Vendo um Deus que Se humilha a tal ponto por nosso amor, ficaremos sempre tão orgulhosos, que não sabemos suportar uma palavra de desprezo, a mais leve falta de atenção?

I. Sabendo Jesus que era chegada a hora de sua morte, em que devia partir deste mundo, como até então tinha amado os homens com amor excessivo, quis naquela hora dar-lhes as últimas e maiores demonstrações de seu amor. Vede-O, como sentado à mesa e todo inflamado de amor, Se volta para os seus discípulos e lhes diz: Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum (1) — “Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa”. Discípulos meus (e o mesmo disse Jesus então a todos nós), sabei que em toda a minha vida não tive outro desejo senão o de celebrar convosco esta Última Ceia; porquanto logo em seguida irei sacrificar-Me pela vossa salvação.

Portanto, ó meu Jesus, tendes tão vivo desejo de dar a vida por nós, as vossas miseráveis criaturas? Ah! Esse vosso desejo, como não deve excitar em nossos corações o desejo de padecer e morrer por vosso amor, visto que por nosso amor desejais tão ansiosamente padecer e morrer! Ó amado Redentor, fazei-nos saber o que quereis de nós; queremos agradar-Vos em tudo. Queremos dar-Vos gosto para respondermos ao menos um pouco ao grande amor que nos tendes.

Entretanto é posto na mesa o cordeiro pascal, figura de nosso Salvador mesmo. Assim como aquele cordeiro foi consumido na Última Ceia, assim o mundo veria no dia seguinte o Cordeiro divino, Jesus Cristo, consumido de dores sobre o altar da Cruz.

Itaque cum recubuisset ille (Ioannes) supra pectus Iesu — “Tendo-se ele (João) reclinado sobre o peito de Jesus” (2). Ó feliz de vós, João, discípulo predileto, que reclinando a cabeça sobre o peito de Jesus, compreendestes a ternura do Coração do nosso amante Redentor para com as almas que O amam! — Ah! Meu dulcíssimo Senhor, que repetidas vezes me favorecestes com tão grande graça! Sim, pois que eu também compreendi a ternura do vosso afeto para comigo cada vez que me consolastes com luzes celestes e doçuras espirituais. Mas, não obstante isso, Vos fui infiel! Suplico-Vos que não me deixeis mais viver tão ingrato para com a vossa bondade! Quero ser todo vosso: aceitai-me e socorrei-me.

II. Deinde mittit (Iesus) aquam in pelvim, et coepit lavare pedes discipulorum (3) — “Depois (Jesus) deita água numa bacia e começa a lavar os pés dos discípulos”. — Minha alma, contempla a teu Jesus que Se levanta da mesa, depõe suas vestiduras e, tomando uma toalha branca, Se cinge. Em seguida deitando água numa bacia, de joelhos diante de seus discípulos, começa a lavar-lhes os pés. Eis, pois, que o Rei do mundo, o Unigênito de Deus, Se humilha até lavar os pés a suas criaturas! Ó Anjos, que dizeis a isso? Já teria sido um grande favor, se Jesus Cristo lhes houvera permitido lavarem-Lhe com lágrimas os pés divinos, assim como permitiu à Maria Madalena. Jesus, porém, quis prostrar-Se aos pés dos seus servos, a fim de nos deixar no fim da sua vida este grande exemplo de humildade, e mais esta grande prova do amor que tem aos homens.

E nós, ó Senhor, seremos sempre tão orgulhosos que não sofremos uma palavra de desprezo, uma pequena falta de atenção, sem que logo fiquemos ressentidos, e nos venha o pensamento de vingança? Todavia, pelos nossos pecados temos merecido sermos calcados aos pés dos demônios no inferno. Ah, meu Jesus, reconheço que é um grande castigo de meus pecados o terem-me feito soberbo, depois de me terem feito ingrato. Para o futuro não será assim; pois que o vosso exemplo me fez as humilhações sumamente amáveis. Prometo que de hoje em diante suportarei por vosso amor qualquer injúria e afronta que me seja feita; mais, desejo e peço ser humilhado conVosco. — Mas, ó Senhor, para que servem estes meus propósitos sem o vosso auxílio para executá-los? Já que me quereis salvo, ó meu Jesus desprezado, ajudai-me a suportar em paz todos os desprezos que em minha vida tenha de receber. Concedei-me esta graça pelo mérito dos opróbrios que sofrestes, e pelas dores de vossa e minha querida Mãe Maria. (I 603.)
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1. Luc. 22, 15.
2. Io. 13, 25.
3. Io. 13, 5.


(Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 379-382.)

Fonte: Blog São Pio V

"A tristeza é a escória do egoísmo" - São Josemaria Escrivá



Que ninguém leia tristeza nem dor na tua cara, quando difundes pelo ambiente do mundo o aroma do teu sacrifício: os filhos de Deus têm que ser semeadores de paz e de alegria. (Sulco, 59)

Por que é que os filhos de Deus hão de estar tristes? A tristeza é a escória do egoísmo. Se queremos viver para o Senhor, não nos faltará a alegria, mesmo que descubramos os nossos erros e as nossas misérias. A alegria penetra na vida de oração, e de tal maneira que a certa altura não há outro jeito senão romper a cantar: porque amamos, e cantar é coisa de enamorados.

Se vivermos assim, realizaremos no mundo uma tarefa de paz. Saberemos tornar amável aos outros o serviço do Senhor, porque Deus ama quem dá com alegria. O cristão é uma pessoa igual às outras na sociedade; mas do seu coração transbordará o júbilo de quem se propõe cumprir, com a ajuda constante da graça, a Vontade do Pai. E não se sente vítima, nem inferiorizado, nem coagido. Caminha de cabeça erguida, porque é homem e é filho de Deus.

A nossa fé dá todo o seu relevo a estas virtudes que pessoa alguma deveria deixar de cultivar. Ninguém pode vencer o cristão em humanidade. Por isso, quem segue Cristo é capaz - não por mérito próprio, mas pela graça do Senhor - de comunicar aos que o rodeiam aquilo que às vezes pressentem, mas não conseguem compreender: que a verdadeira felicidade, o autêntico serviço ao próximo passa necessariamente pelo Coração do nosso Redentor, perfectus Deus, perfectus homo, perfeito Deus, perfeito homem. (Amigos de Deus, nn. 92-93)


Fonte: Página Mensagens de São Josemaria Escrivá

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Conselho dos Judeus e traição de Judas - Santo Afonso Maria de Ligório



Expedit vobis, ut unus moriatur homo pro populo, et non tota gens pereat — “Convém que morra um homem pelo povo e que não pereça toda a nação (Io. 11, 50).

Sumário. Tendo os iníquos pontífices decretado a morte de Jesus Cristo, tiveram grande satisfação ao ver que Judas, um dos discípulos, se oferecia a traí-Lo e entregar-Lho nas mãos. O Senhor conhece perfeitamente a felonia de Judas e todavia não deixa de tratá-lo como amigo na mesma forma que d´antes; olha-o com benevolência, não recusa a sua companhia e chega a prostrar-se-lhe aos pés para os lavar. Ó inefável benignidade! Que belo exemplo para nós, se o quisermos aproveitar!

I. No mesmo tempo em que Jesus andava derramando graças e fazendo milagres para benefício de todos, reúnem-se os primeiros personagens da cidade de Jerusalém a fim de tramarem a morte do Autor da vida. Refere São João que se ajuntaram os pontífices e os fariseus em conselho e diziam: Que fazemos nós? Este homem faz muitos milagres; se o deixamos assim livre, todos crerão nele. Mas um deles, por nome Caifás, respondeu que lhes convinha que um homem morresse pelo povo, e não perecesse a nação toda. “E desde aquele dia”, diz o mesmo São João, “pensavam em como haviam de o fazer morrer.” — Ah, Judeus! Não temais; vosso Redentor não fugirá, porquanto veio à terra exatamente para morrer, e pela sua morte livrar-vos a vós e a todos os homens da morte eterna.

Entretanto Judas apresenta-se aos pontífices e diz: Quid vultir mihi dare, et ego vobis eum tradam? (1) — “Que me quereis dar, e eu vô-Lo entregarei?” Oh! Que alegria deviam sentir os Judeus, pelo ódio que devotavam a Jesus Cristo, ao verem que um dos seus discípulos o queria trair e entregar-Lho nas mãos! Consideremos nisso o júbilo que, por assim dizer, reina no inferno, quando uma alma, depois de servir a Jesus Cristo por muitos anos, vem a traí-Lo por qualquer miserável bem ou vil satisfação.

Mas, ó Judas, já que estás resolvido a vender o teu Deus, exige pelo menos o preço que Ele vale. É um bem infinito, merecedor portanto de um preço infinito. Porque, pois, concluis o negócio por trinta dinheiros? At illi constituerunt ei triginta argenteos (2) — “E eles prometeram-lhe trinta dinheiros de prata”. — Minha alma, deixa Judas, e fixa em ti mesma os teus pensamentos. Dize-me, por que preço vendeste tu mesma tantas vezes a graça divina ao demônio?

Ah, meu Jesus, quantas vezes Vos virei as costas, e a Vós preferi um capricho, um empenho, um prazer passageiro e vil! Sabia que, pecando, perdia a vossa amizade e voluntariamente a troquei por um nada. Tivesse morrido antes de fazer-Vos tão grande ultraje! Ó meu Jesus, arrependo-me de todo o coração e quisera morrer de dor.

II. Contemplemos agora a benignidade de Jesus Cristo, que, sabedor do ajuste feito por Judas, contudo, vendo-o, não o repele de si, nem o olha com maus olhos; admite-o em sua companhia, e ainda à sua mesa; repreende-o pela sua traição com o único intuito de chamá-lo à resipiscência; e vendo-o obstinado, chega a prostrar-se diante dele e a lavar-lhe os pés para desta arte o enternecer.

Ah, meu Jesus, é assim também que fizestes comigo. Eu Vos desprezei e traí, e não me repelis; não deixais de olhar-me com amor, e me admitis à vossa mesa da santa comunhão. Meu amado Salvador, nada mais podeis fazer para me obrigar a Vos amar. E eu terei ânimo de continuar a ofender-Vos e pagar-Vos com a minha ingratidão? Não, meu Deus, não quero mais abusar da vossa misericórdia. Agradeço-Vos a luz com que me iluminais e prometo que mudarei de vida. Vejo que já não me podeis suportar mais tempo. Porque, pois, esperarei até que Vós mesmo me mandeis ao inferno, ou me abandoneis em minha vida de perdição, castigo este maior do que a própria morte?

Meu Jesus, eis que me prostro aos vossos pés. Peço-Vos perdão das ofensas a que Vos fiz e rogo-Vos que me recebais em vossa graça. Quem me dera poder recomeçar os anos passados; quisera empregá-los unicamente em vosso serviço, ó Senhor meu. Os anos, porém, não voltam mais; por piedade, fazei ao menos que empregue o que me resta de vida, unicamente em amar-Vos e fazer que outros também Vos amem. — Ó grande Mãe de Deus e minha Mãe Maria, socorrei-me com a vossa intercessão, pedi a Jesus que me faça todo seu. Peço-vos esta graça pela parte que tomastes na Paixão de vosso divino filho. (I 603.)
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1. Matth. 26, 15.
2. Matth. 26, 15.


(Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 377-379.)

Fonte: Blog São Pio V

(Obs.: Quando Santo Afonso usa a expressão 'pontífices', no texto acima, é óbvio que ele não está se referindo aos Papas, mas sim aos sumo-sacerdotes judeus Anás e Caifás - fariseus que foram líderes da religião judaica na época de Nosso Senhor. Achei importante ressaltar isso aqui, pois há uma ridícula e estúpida teoria defendida pelos hereges Testemunhas de Jeová, que inventaram que seria a Igreja Católica (sic!!) que teria condenado Jesus (!!!), que por sinal, para eles teria morrido numa estaca, e não na cruz!! Até onde vai a malícia, e a perfídia, de almas que inventam uma calúnia diabólica como essa e tantas outras, com o intuito de enganar toscamente pessoas muito ignorantes!)

terça-feira, 8 de abril de 2014

Grande fruto que se tira da meditação da Paixão de Jesus Cristo - Santo Afonso Maria de Ligório



Abraham, pater vester, exultavit, ut videret diem meum: vidit et gavisus est — “Abraão, vosso pai, desejou ansiosamente ver o meu dia: ele o viu e exultou de gozo” (Io. 8, 56).

Sumário. Não é sem razão que Abraão e com ele os demais justos do Antigo Testamento desejavam tão ansiosamente ver o dia do Senhor. Sim, porque depois da vinda de Jesus Cristo, é impossível que uma alma crente que medita nas dores e ignomínias que Ele sofreu por nosso amor, não se abrase em amor e não se resolva firmemente a tornar-se santa. Se, pois, queremos progredir no caminho de perfeição, meditemos a miúdo, e especialmente nestes dias, na Paixão do Redentor, e meditando afiguremo-nos que presenciamos os mistérios dolorosos.

I. Não é sem razão que o patriarca Abraão desejou ansiosamente ver o dia do Senhor; e que, tendo tido a ventura de vê-lo por uma revelação divina, ainda que em espírito somente, se alegrou em seu coração, como atesta o Evangelho de hoje. Sim, porque o tempo que se seguiu à vinda de Jesus Cristo, já não é mais tempo de temor, mas tempo de amor: Tempus tuum, tempus amantium (1).

Na Lei antiga, antes da Encarnação do Verbo, podia o homem, por assim dizer, duvidar se Deus o amava. Depois de O havermos visto, porém, morrendo por nós, exangue e vilipendiado sobre um patíbulo infame, já não podemos duvidar que Ele nos ame com toda a ternura. — Quem poderá jamais compreender, que excesso de amor levou o Filho de Deus a pagar a pena dos nossos pecados? E, todavia, isso é um ponto de fé: Dilexit nos, et lavit nos in sanguine suo (2) — “Ele nos amou, lavou-nos em seu sangue”. Ó misericórdia infinita! Ó amor infinito de Deus!

Mas porque é que tantos cristãos olham com indiferença para Jesus Cristo crucificado? Que na Semana Santa assistem à comemoração da morte de Jesus, mas sem algum sentimento de ternura e gratidão, como se não se comemorasse um fato verdadeiro, ou não lhes dissesse respeito?

Não sabem, ou não crêem, porventura, o que os santos Evangelhos dizem acerca da Paixão de Jesus Cristo? Com certeza o crêem, mas não refletem. Entretanto, é impossível que uma alma crente, que medita nas dores e ignomínias que Jesus Cristo padeceu por nosso amor, não se abrase de amor para com Ele e não tome uma forte resolução de tornar-se santa, a fim de não se mostrar ingrata para com Deus tão amante. Caritas Christi urget nos (3) — “A caridade de Cristo nos constrange”.

II. Meu irmão, se queres sempre crescer em amor para com Deus e progredir na perfeição, medita a miúdo na Paixão de Jesus Cristo, conforme o conselho que te dá São Boaventura: Quotidie mediteris Domini passionem. Especialmente nestes dias, que procedem a comemoração da sua morte dolorosíssima, guiado pelos sagrados Evangelhos, contempla com olhos cristãos tudo que o Salvador sofreu nos principais teatros de seu padecimento; isto é, no horto das oliveiras, na cidade de Jerusalém e no monte Calvário.

Para que tires desta meditação o fruto mais abundante possível, representa-te os sofrimentos de Jesus Cristo tão vivamente, que te pareça veres diante dos olhos o Redentor tão maltratado, e sentires em ti mesmo as chagas que n'Ele abriram as pontas dos espinhos e dos cravos, a amargura do vinagre e fel, o pejo das ignomínias e dos desprezos: Hoc enim sentite in vobis, quod et in Christo Iesu (4) — “Senti em vós o que Jesus Cristo sentiu”. Ao passo que assim meditas, repete muitas vezes com o Apóstolo: Tudo isso o Senhor tem feito e padecido por mim, para me mostrar o seu amor e ganhar o meu: Dilexit me, et tradidit semetipsum pro me (5) — “Ele me amou e se entregou por mim”. E não O amarei?

Sim, amo-Vos; † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas; e porque Vos amo, pesa-me de Vos haver ofendido, e proponho antes morrer do que Vos tornar a ofender. “Vos, ó Senhor onipotente, lançai sobre mim um olhar benigno, para que por vossa proteção seja regido no corpo e defendido na alma”. (6) † Doce Coração de Maria, sêde minha salvação. (*I 600)
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1. Ez. 16, 8
2. Eph. 5, 2.
3. 2 Cor. 5, 14
4. Phil. 2, 5.
5. Gal 2, 20.
6. Or. Dom. curr.


(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 374-376.)




segunda-feira, 7 de abril de 2014

Santo Tomás de Aquino: o Mandamento da Caridade



 Santo Tomás de Aquino
O MANDAMENTO DA
CARIDADE

1. Introdução.

Três coisas são necessárias à salvação do homem, a saber:

* a ciência do que se há de crer,
* a ciência do que se há de desejar,
* e a ciência do que se há de operar.

A primeira nos é ensinada no Credo, onde nos é ensinada a ciência dos artigos da fé. A segunda, no Pai Nosso. A terceira na Lei.

Agora a nossa intenção é acerca da ciência do que se há de operar, para tratar da qual encontramos quatro leis.

2. A lei da natureza.

A primeira lei é dita lei da natureza, e esta nada mais é do que a luz da inteligência colocada em nós por Deus, pela qual conhecemos o que devemos agir e o que devemos operar. Esta luz e esta lei Deus a deu ao homem na criação, mas muitos acreditam dela poderem desculpar-se por ignorância se não a observarem. Contra estes diz, porém, o profeta no salmo quarto:

"Muitos dizem:
Quem nos mostrará o bem?",

como se ignorassem o que é para se operar. Mas o próprio profeta no mesmo lugar responde:

"Sobre nós está assinalada
a luz do teu semblante, ó Senhor",

luz, a saber, do intelecto, pela qual nos é conhecido o que se deve agir. De fato, ninguém ignora que aquilo que não quer que seja feito a si, não o faça ao outro, e outras tais.

3. A lei da concupiscência.

Posto, porém, que Deus na criação deu ao homem esta lei, a saber, a da natureza, o demônio, todavia, semeou sobre esta uma outra lei, a da concupiscência. Com efeito, até quando no primeiro homem a alma foi submissa a Deus, observando os divinos preceitos, também a carne foi submissa em tudo à alma, ou à razão. Mas depois que o demônio pela tentação afastou o homem da observância dos preceitos divinos, também a carne se tornou desobediente à razão. De onde aconteceu que ainda que o homem queira o bem segundo a razão, todavia é inclinado ao contrário pela concupiscência. E isto é o que nos diz o Apóstolo no sétimo de Romanos:

"Mas vejo outra lei nos meus membros
que se opõe à lei da minha razão".

Daqui é que freqüentemente a lei da concupiscência corrompe a lei da natureza e a ordem da razão, e por isso acrescenta o Apóstolo:

"Acorrentando-me à lei do pecado".

4. A lei da Escritura, ou do temor.

A lei da natureza, pois, estava destruída pela lei da concupiscência. Fazia-se, portanto, necessário que o homem fosse restituído à obra da virtude e fosse afastado dos vícios. Para isto foi necessária a lei da Escritura.

Deve-se saber, porém, que o homem é afastado do mal e induzido ao bem por duas coisas, a primeira das quais sendo o temor. De fato, a primeira coisa pela qual alguém maximamente principia a evitar o pecado é a consideração das penas do inferno e do juízo final. Por isso é que o Eclesiástico nos diz:

"O início da Sabedoria
é o temor do Senhor",

e também:


"O temor do Senhor
expulsa o pecado",


pois, ainda que aquele que por temor não peca não seja justo, todavia daqui principia a justificação. É deste modo que o homem é afastado do mal e induzido ao bem pela lei de Moisés, a qual punia os transgressores com a morte:


"Quem transgride a Lei de Moisés
é condenado à morte, sem piedade,
com base em duas ou três testemunhas".


Heb. 10


5. A lei Evangélica, ou do amor.


O modo do temor, porém, é insuficiente, e a lei que foi dada por Moisés desta maneira, afastando do mal pelo temor, também foi insuficiente. De fato, ainda que obrigasse a mão, não obrigava a alma. Por isso há um outro modo de afastar do mal e induzir ao bem, a saber, o modo do amor, e deste modo foi dada a lei de Cristo, a lei Evangélica, que é lei de amor.


6. A lei do amor torna livre.


Deve-se considerar, entretanto, que entre a lei do temor e a lei do amor são encontradas três diferenças.

A primeira consiste em que a lei do temor faz de seus observantes servos, enquanto que a lei do amor os faz livres. Pois quem opera somente pelo temor opera pelo modo de servo; quem, porém, o faz por amor, o faz por modo de livre, ou de filho. De onde que diz o Apóstolo:


"Onde está o Espírito do Senhor,
lá está a liberdade",


II Cor. 3


porque, a saber, estes por amor agem como filhos.


7. A lei do amor introduz nos bens celestes.


A segunda diferença está em que os observadores da primeira lei eram introduzidos nos bens temporais, conforme diz Isaías:


"Se quiserdes, e me ouvirdes,
comereis dos bens da terra".


Is. 1


Mas os observadores da segunda lei são introduzidos nos bens celestes:


"Se queres entrar na vida,
observa os mandamentos".


Mat. 19


E também:


"Fazei penitência".


Mat. 2


8. A lei do amor é leve.


A terceira diferença é que a primeira é pesada:


"Por que quereis impor
um jugo sobre nós
que nem nós, nem nossos pais
puderam suportar?"


Atos 15


A segunda, porém, é leve:


"O meu jugo é suave,
e o meu peso é leve".


Mat. 11


E também:


"Não recebestes um espírito de servidão
para recairdes no temor,
mas recebestes o espírito
de adoção de filhos".


Rom. 8


9. Conclusão: simplicidade e retidão da lei de Cristo.


Assim, portanto, como já foi dito, encontram-se quatro leis, a primeira sendo a lei da natureza, que Deus infundiu no homem na criação, a segunda a lei da concupiscência, a terceira a lei da Escritura, a quarta a lei da caridade e da graça que é a lei de Cristo.

Como, porém, é evidente que nem todos podem ser versados na ciência, foi-nos dada por Cristo uma lei breve, para que por todos pudesse ser sabida, e ninguém por ignorância pudesse escusar-se de sua observância, e esta é a lei do amor divino. Como diz o Apóstolo:


"Fará o Senhor
uma palavra abreviada
sobre a terra".


Rom. 9


Deve-se saber, ademais, que esta lei deve ser a regra de todos os atos humanos. Com efeito, assim como vemos nas coisas feitas pela arte humana, em que cada obra é dita boa e correta quando segue a regra da arte, assim também qualquer obra humana é reta e virtuosa quando concorda com a regra do amor divino. Quando, porém, discorda desta regra, não é boa, nem reta, ou perfeita. Portanto, para que os atos humanos se tornem bons, é necessário que concordem com a regra do amor divino.


10. Os efeitos da lei do amor: o amor causa a vida espiritual.


Deve-se saber, também, que esta lei, a do amor divino, produz quatro coisas no homem imensamente desejáveis, a primeira das quais é causar no mesmo a vida espiritual.

É, de fato, manifesto que o amado está naturalmente no amante e por isto, quem a Deus ama, possui Deus em si:


"Quem permanece na caridade
em Deus permanece,
e Deus nele".


I Jo. 4


A natureza do amor é também tal que transforma o amante no amado; de onde que se amamos o que é vil e caduco, vis e instáveis nos tornamos:


"Fizeram-se abomináveis
assim como o que amaram".


Os. 1


Se, porém, a Deus amarmos, divinos nos tornaremos, porque, como está escrito:


"Aquele que se une ao Senhor,
constitui com Ele um só espírito".


I Cor. 6


Neste sentido é que Santo Agostinho diz que assim como a alma é a vida do corpo, assim Deus é a vida da alma, e isto é manifesto. Porquanto dizemos o corpo viver pela alma, quando tem as operações próprias da vida, e quando opera e se move. Apartando- se, porém, a alma, nem o corpo opera, nem se move. Assim também a alma opera virtuosa e perfeitamente quando opera pela caridade, pela qual Deus habita nela. Sem a caridade, porém, não opera:

"Quem não ama,
permanece na morte".


I Jo. 3


Deve-se considerar, também, que se alguém tiver todos os dons do Espírito Santo sem a caridade, não tem a vida. Seja, de fato, a graça de falar em línguas, seja o dom da fé, ou seja qualquer outro, sem a caridade não concedem a vida. Com efeito, se o corpo dos mortos é vestido de ouro e de pedras preciosas, não obstante isto, morto permanece. Causar a vida espiritual é, portanto, o primeiro dos efeitos da caridade.


11. O amor causa a observância dos mandamentos.


O segundo efeito da caridade é a observância dos mandamentos divinos. Diz São Gregório:


"Nunca o amor de Deus
é ocioso".

Porquanto, se existe, opera grandes coisas; se, porém, se recusa a operar, amor não é. De onde que um sinal manifesto da caridade é a prontidão na execução dos preceitos divinos. Vemos, de fato, os que amam operar por causa do amado coisas grandes e difíceis. Diz também o Evangelho de João:


"Se alguém me ama,
observará os meus mandamentos".


Jo. 14

Mas quem observa o mandamento e a lei do amor divino cumpre toda a lei. Pois há dois modos de mandamentos divinos. Alguns são afirmativos, e estes a caridade cumpre porque a plenitude da lei que consiste nos mandamentos é o amor pelo qual os mandamentos são observados. Já outros são proibitórios, e estes também a caridade cumpre, porque


"não age maldosamente",

como diz o Apóstolo na primeira aos Coríntios.


12. O amor é refúgio contra as adversidades.


A terceira coisa que faz a caridade é ser refúgio contra as adversidades. Ao que tem caridade, nenhuma adversidade causa dano, antes, se converte em coisa útil:


"Todas as coisas cooperam
para o bem dos que amam a Deus".


Rom. 8


As coisas adversas e difíceis parecem suaves para os que amam, como entre nós o vemos manifestamente.


13. O amor conduz à eterna bem aventurança.


O quarto efeito da caridade é o de conduzir à felicidade. Somente aos que tiverem caridade a felicidade eterna é prometida, pois todas as coisas sem a caridade são insuficientes:


"Desde já me está reservada
a coroa de justiça,
que me dará o Senhor,
justo juiz, naquele dia.
E não somente a mim,
mas a todos os que tiverem esperado
com amor a sua vinda".


II Tim. 4


E deve-se saber que somente segundo a diferença da caridade será a diferença da bem aventurança, e não segundo nenhuma outra virtude. Muitos, na verdade, fizeram maiores jejuns do que os apóstolos, mas estes na bem aventurança superam todos os outros por causa da excelência da caridade. Eles, com efeito, foram as primícias dos que têm o Espírito, com diz o Apóstolo, no oitavo de Romanos. De onde que a diferença da bem aventurança provém da diferença da caridade, e assim são patentes as quatro coisas que em nós faz a caridade.


14. Outros efeitos do amor: o amor produz o perdão dos pecados.


Além destas, porém, a caridade faz outras coisas que não se devem deixar passar.

Primeiro, causa o perdão dos pecados, algo que já vemos manifestamente acontecer entre nós. Porquanto, se alguém ofender algum homem e posteriormente vier a amá-lo entranhadamente, o ofendido, por causa do amor com que é amado, perdoará a ofensa. Assim também Deus perdoa os pecados dos que o amam:


"A caridade encobre
uma multidão de pecados".


I Pe. 4


E diz bem o apóstolo que os encobre, porque para Deus não parece que devam ser punidos. Mas, posto que São Pedro diga que encobre uma multidão, todavia Salomão diz no décimo de Provérbios que


"a caridade encobre
todos os delitos",

o que o exemplo da Madalena maximamente manifesta:


"São-lhe perdoados
muitos pecados",

e a causa é mostrada:


"já que muito amou".


Luc. 7


Mas talvez alguém dirá: "Então a caridade basta para apagar os pecados, e não é necessário o arrependimento?" Deve-se considerar, porém, que ninguém verdadeiramente ama, que não se arrependa verdadeiramente. De fato, é manifesto que quanto mais amamos a alguém, tanto mais nos afligimos se a ele ofendemos, e isto é um efeito da caridade.


15. O amor produz a iluminação do coração.


A caridade causa também a iluminação do coração. Com efeito, assim diz o livro de Jó:

"Estamos todos
envolvidos em trevas".


Jó 37


Pois freqüentemente não sabemos o que agir, ou desejar. A caridade, porém, ensina tudo o que é necessário à salvação. Por isto está dito:


"Sua unção
vos ensinará de tudo".



I Jo. 2


Isto é porque, onde está a caridade, lá está o espírito Santo que a tudo conhece, o qual nos conduz no caminho correto, assim como está escrito no Salmo 138. E por isso diz também o Eclesiástico:


"Vós, que temeis a Deus, amai-O,
e se iluminarão os vossos corações",

a saber, para o conhecimento do que é necessário à salvação.


16. O amor realiza a perfeita alegria.


A caridade também realiza no homem a perfeita alegria. Na verdade, ninguém tem verdadeira alegria a não ser existindo na caridade. Quem quer que deseje algo não está contente, nem se alegra, e nem tem repouso enquanto não o conseguir. E nas coisas temporais sucede que o que se não se tem é apetecido, e o que se tem é desprezado e gera o tédio. Mas não é assim nas coisas espirituais; antes, ao contrário, quem a Deus ama, a Deus possui, e por isso a alma de quem o ama e o deseja nEle repousa:

"Quem",


de fato,


"permanece na caridade,
em Deus permanece,
e Deus nele",


como está dito no quarto da primeira Epístola de João.


17. O amor produz a perfeita paz.


Igualmente, a caridade produz a perfeita paz. Pois acontece nas coisas temporais que sejam desejadas com freqüência, mas obtidas as mesmas, ainda a alma do que as deseja não repousa, antes, ao contrário, obtida uma, outra apetece:


"O coração do ímpio
é como um mar revolto,
que não pode repousar".


Ecl. 57


E também, no mesmo lugar:


"Não há paz para o ímpio,
diz o Senhor".


Mas não acontece assim na caridade para com Deus. Quem, de fato, ama a Deus, tem a paz perfeita:


"Muita paz aos que amam a Tua lei,
e não há tropeço para eles".


Salmo 118


E isto porque somente Deus é capaz de satisfazer o nosso desejo, porquanto Deus é maior do que o nosso coração, como diz o Apóstolo. E por isso diz Santo Agostinho no primeiro livro das Confissões:


"Fizeste-nos, ó Senhor,
para ti,
e o nosso coração está inquieto
enquanto não repousa em ti".


E também:


"O qual preenche de bens
o teu desejo".


Salmo 102


A caridade também torna o homem de grande dignidade. Com efeito, todas as criaturas servem à própria majestade divina, e por ela foram feitas, assim como as coisas artificiais servem ao artífice. Mas a caridade faz do servo um livre e um amigo. De onde diz o Senhor:


"Já não vos chamarei de servos,
mas de amigos".


Jo. 15


Mas porventura Paulo não é servo? E os outros apóstolos não escreviam de si serem servos? Quanto a isto deve-se saber que há duas servidões. A primeira é a do temor, e esta é penosa e não meritória. Se, de fato, alguém se abstém do pecado somente pelo temor da pena, não merece por isto. Ainda é servo.

A segunda servidão é a do amor. Se, na verdade, alguém opera não pelo temor da justiça, mas pelo amor divino, não opera como servo, mas como livre, porque voluntariamente, e é por isto que Cristo diz:


"Já não vos chamarei
mais de servos".


E por que? A isto responde o Apóstolo:


"Não recebestes o espírito de servidão
para recairdes no temor,
mas recebestes o espírito
de adoção de filhos".

Rom. 8


"Não há, de fato, temor na caridade", como diz I Jo. 4. O temor tem, certamente, tormento, mas a caridade deleitação.


18. O amor dignifica o homem.


A caridade igualmente torna não somente livres, mas também filhos, para que, a saber,


"sejamos chamados filhos de Deus
e de fato o sejamos".


I Jo. 3


Com efeito, o estranho se torna filho adotivo quando adquire para si o direito na herança de Deus, que é a vida eterna. Pois, como diz Romanos:


"O próprio Espírito
dá testemunho ao nosso espírito
que somos filhos de Deus.
Se, porém, filhos,
também herdeiros:
herdeiros de Deus
e co-herdeiros de Cristo".


Rom. 8


E também:


"Eis que são contados
entre os filhos de Deus".


Sab. 5


19. O amor de caridade só pode ser alcançado pela graça.


Do que já foi dito fica patente a utilidade da caridade. Pois que, portanto, seja tão útil, deve-se trabalhar diligentemente para adquirí-la e retê-la.

Deve-se saber, porém, que ninguém pode por si mesmo possuir a caridade. Antes, ao contrário, é dom inteiramente de Deus. De onde que diz João:


"Não fomos nós que amamos a Deus,
mas Ele quem nos amou primeiro",


I Jo. 4


porque certamente não por causa de nós o amarmos primeiro que Ele nos ama, mas o próprio fato de o amarmos é causado em nós pelo seu amor.

Deve-se considerar também, que ainda que todos os dons sejam do pai das luzes, todavia este dom, a saber, o da caridade, supera todos os demais dons. De fato, todos os outros podem ser possuídos sem a caridade e o Espírito Santo; com a caridade, porém, possui-se necessariamente o Espírito Santo:


"A caridade de Deus
foi derramada nos nossos corações
pelo Espírito Santo que nos foi dado".


Seja o dom das línguas, portanto, seja o dom da ciência ou o da profecia, todos estes podem ser possuídos sem a graça e o Espírito Santo.


20. Quatro disposições para alcançar de Deus a graça da caridade.


Mas ainda que a caridade seja dom divino, para possuí- la, todavia, requer-se a disposição de nossa parte. Por isso deve-se saber que duas coisas são necessárias para adquirir a caridade, e duas para aumentar a caridade já adquirida.


21. Primeira disposição: a escuta da palavra de Deus.


Para adquirir, pois, a caridade, a primeira coisa é a escuta diligente da palavra de Deus, o que é suficientemente manifesto pelo que ocorre entre nós. Ouvindo, de fato, coisas boas de alguém, somos acesos em seu amor. Assim também, ouvindo as palavras de Deus, somos acesos em seu amor:


"A tua palavra é um fogo ardente,
e o teu servo a amou".


Salmo 118, 140


E também:


"A palavra de Deus o inflamou".


Salmo 104


Por esta causa aqueles dois discípulos, ardendo do amor divino, diziam:


"Porventura não ardia em nós
o nosso coração,
enquanto nos falava pelo caminho
e nos explicava as Escrituras?"


Luc. 24


De onde que também no décimo de Atos se lê que


"Pregando Pedro,
o Espírito Santo caiu nos ouvintes
da palavra divina".


E o mesmo freqüentemente acontece nas pregações, isto é, que os que se aproximam com o coração duro, por causa da palavra da pregação, são acesos ao amor divino.


22. Segunda disposição: a meditação.


Para adquirir a caridade, a segunda coisa é a contínua consideração dos bens recebidos:


"Aqueceu-se o meu coração
dentro de mim".


Salmo 38


Se, portanto, queres conseguir o amor divino, meditarás os bens recebidos de Deus. Demasiadamente duro seria, na verdade, quem considerando os benefícios divinos que alcançou, os perigos dos quais escapou, e a bem aventurança que lhe é prometida por Deus, que não se acendesse ao amor divino. De onde que diz Santo Agostinho:


"Dura é a alma do homem que,
posto que não queira retribuir o amor,
não queira pelo menos agradecer".


E, de modo geral, assim como os pensamentos maus destróem a caridade, assim os bons a adquirem, a alimentam e a conservam, de onde que nos é ordenado:


"Retirai os vossos maus pensamentos
dos meus olhos".


Is. 1


E também:


"Os pensamentos perversos
separam de Deus".


Sab. 1


23. Terceira disposição: afastar o coração das coisas da terra.


Há também duas coisas que aumentam a caridade possuída, e a primeira é afastar o coração do que é terreno.

O coração, de fato, não pode ser trazido perfeitamente a coisas diversas, de onde que ninguém é capaz de amar a Deus e ao mundo. E por isso, quanto mais nos afastarmos do amor do que é terreno, tanto mais nos firmaremos no amor divino. De onde que Santo Agostinho diz no Livro das 83 Questões:


"A esperança de conseguir ou reter
o que é temporal
é veneno da caridade".


O seu alimento é a diminuição da cobiça; sua perfeição, a nenhuma cobiça, porque a raiz de todos os males é a cobiça.

Quem quer que, portanto, queira alimentar a caridade, insista em diminuir a cobiça.

A cobiça é o amor de conseguir ou obter o que é temporal, e o início de sua diminuição é o temor de Deus, o qual não pode somente ser temido, sem amor. É por esta causa que se ordenaram as religiões, nas quais e pelas quais a alma é trazida do que é mundano e corruptível ao que é divino, conforme se encontra escrito no Segundo de Macabeus, onde se lê:


"Refulgiu o Sol,
que antes estava entre nuvens".


II Mac. 1


O Sol, isto é, o intelecto humano, está entre nuvens quando entregue às coisas terrenas. Refulgirá, porém, quando for afastado e removido do amor do que é terreno. Resplandescerá, então, e nele crescerá o amor divino.


24. Quarta disposição: a firme paciência na adversidade.


A segunda coisa que aumenta a caridade é a firme paciência na adversidade.

É manifesto, de fato, que quando sustentamos dificuldades por aquele a quem amamos, o próprio amor não é destruído; antes, ao contrário, ele cresce:


"As muitas águas",


isto é, as tribulações,


"não puderam extinguir
a caridade".


Cant. 8


É assim que os homens santos que sustentam adversidades por Deus mais se firmam em seu amor, assim como o artífice mais amará aquela sua obra na qual mais trabalhou. Daí também vem que os fiéis quanto maiores aflições por Deus sustentam, tanto mais se elevam no seu amor:


"Multiplicaram-se as águas",


isto é, as tribulações,


"e elevaram a arca ao alto",


Gen. 7


isto é, a Igreja, ou a alma do homem justo.




Fonte: Cristianismo.org.br

sábado, 5 de abril de 2014

Conselho de Santa Catarina de Sena sobre a Santa Paciência







"Deveremos afirmar, então, que nenhum sofrimento é grande? De modo algum. E se a sensualidade se revoltar, lembremos-lhe: 'Atenção, pois o fruto da impaciência é o castigo eterno, que receberás no dia do juízo. É melhor para ti querer o que Deus quer, amar o que Ele ama, ao invés de querer o que preferes e amar o que agrada à sensualidade. Quero que suportes virilmente a dor, já que os sofrimentos desta vida não têm comparação com a glória futura, preparada por Deus aos que o temem (Rom. VIII, 18; ICor. II, 9) e cumprem sua vontade".


Santa Catarina de Sena. Carta 5. Para Francisco de Montalcino.







Fonte: Blog São Pio V

Oração para a Quaresma - Beato Francisco Palau



Senhor,
nesta Quaresma,
tempo de mergulhar no meu interior,
de revisão e de conversão,
ensina-me a descer sempre mais
até onde Tu te encontras: o meu coração.

Como “descer” até aí?
Pelo silêncio, encontrando tempo para rezar,
pela leitura da Tua Palavra que tanto me quer dizer,
pelos Sacramentos,
especialmente a Confissão e a Santa Missa.

Também pela aceitação das contrariedades,
o peso das circunstâncias e da monotonia da vida…
com os olhos postos em Ti.

Senhor, Tu que estás no meu íntimo,
ajuda-me nesta Quaresma,
a fazer uma viagem ao meu interior,
para aí me encontrar conTigo!




Fonte: Senza Pagare

terça-feira, 1 de abril de 2014

Santo Afonso - Meios para alcançar o amor de Deus e a santidade



Desideria occidunt pigrum... qui autem iustus est tribuet, et non cessabit — “Os desejos matam o preguiçoso; porém, o que é justo dará e não cessará” (Prov. 21, 25 26).

Sumário. Quem quiser ser santo não se deve contentar com o desejo, mas deve resolver-se a por depressa mãos à obra, porque o demônio não teme as almas irresolutas. Os meios para chegar a um fim tão sublime, são particularmente dois: a oração, que faz o amor divino entrar no coração, e a mortificação, que dele remove a terra e o torna apto a receber o fogo divino. Ganhemos ânimo; comecemos desde já a empregar estes meios e nós também chegaremos a ser santos.

I. Quem mais ama a Deus é mais santo. Dizia São Francisco Borges que a oração faz entrar o amor divino no coração, ao passo que a mortificação dele remove a terra e fá-lo apto a receber aquele fogo sagrado. Quanto mais espaço a terra ocupa no coração, tanto menos lugar achará ali o santo amor: Sapientia... nec invenitur in terra suaviter viventium (1) — “A sabedoria... não se acha na terra dos que vivem em delícias”. — Por isso é que os Santos sempre procuraram mortificar, o mais possível, o seu amor próprio e os seus sentidos. “Os santos são poucos, mas devemos viver com os poucos, se nos quisermos salvar com os poucos”, escreve São João Clímaco: Vive cum paucis, si vis regnare cum paucis. E São Bernardo diz: “Quem quer levar vida perfeita, deve levar vida singular: Perfectum non potest esse nisi singulare.”

Para sermos santos, devemos, antes de mais nada, ter o desejo de nos tornarmos santos: desejo e resolução. Alguns sempre desejam, mas nunca começam a por mãos à obra. “De semelhantes almas irresolutas”, dizia Santa Teresa, “o demônio não tem medo. Ao contrário, Deus é amigo das almas generosas.”

É, pois, um engano do demônio, no dizer da mesma seráfica Santa, fazer-nos pensar que há orgulho em se querer tornar santo. Seria orgulho e presunção se metessemos a nossa confiança em nossas obras ou resoluções; mas não, se esperamos tudo de Deus, que então nos dará a força que nos falta. — Desejemos, portanto, e ardentemente, chegar a um grau sublime de amor divino e digamos com coragem: Omnia possum in eo qui me confortat (2) — “Eu posso tudo naquele que me fortalece”. Se não achamos em nós tão grande desejo, peçamo-lo instantemente a Jesus Cristo, que não deixará de no-lo dar.

II. Devemo-nos, portanto, alentar, tomar uma resolução e começar; lembrando-nos de que, na perfeição cristã, segundo a expressão de São Francisco de Sales, vale muito mais a prática do que a teoria. O que não podemos fazer com as nossas próprias forças, ser-nos-á possível com o auxílio de Deus, que prometeu dar-nos tudo o que Lhe pedíssemos: Quodcumque volueritis, petetis, et fiet vobis (3).

Ó meu amado Redentor, Vós desejais o meu amor e me mandais que Vos ame de todo o coração. Sim, Jesus meu, quero amar-Vos de todo o meu coração. Não, meu Deus — assim Vos direi, confiado em vossa misericórdia, — não me assustam os pecados que cometi, porque agora detesto-os e abomino-os mais do que qualquer outro mal, e sei que Vos esqueceis das ofensas da alma que se arrepende e Vos ama. Porque Vos ofendi mais do que os outros, quero, com o auxílio que de Vós espero, amar-Vos mais do que os outros.

Senhor meu, Vós me quereis santo, e eu quero tornar-me santo, não tanto para gozar no paraíso, como para Vos agradar. Amo-Vos, bondade infinita! † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, e me consagro todo a Vós, vós sois o meu único bem, o meu único amor. Aceitai-me, ó meu amor, e fazei-me todo vosso, e não permitais que ainda Vos dê desgosto. Fazei com que eu me consuma todo por Vós, assim como Vós Vos consumistes todo por mim. — Ó Maria, ó Esposa mais amável do Espírito Santo, e a mais amada, obtende-me amor e fidelidade. Alcançai-me somente, ó minha Mãe, que eu seja sempre vosso devoto servo; porquanto quem se distingue na devoção para convosco, distingue-se também no amor a vosso divino Filho. (II 400.)

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1. Iob. 28, 13.
2. Phil. 4, 13.
3. Io. 15, 7.

(Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 360-362.)

Fonte: Blog São Pio V

Santo Anselmo - CUR DEUS HOMO


Santo Anselmo 
CUR DEUS HOMO 
- condensado do argumento principal - 

Tenho sido rogado freqüentemente por muitos, oralmente e por carta, que expusesse por escrito porque necessidade e por que razão Deus, sendo onipotente, tomou a humildade e a enfermidade da natureza humana para poder salvá-los.

Tentarei satisfazer aos seus pedidos, não para que pela razão se aproximem da fé, mas para que se deleitem das coisas que crêem pela inteligência e pela contemplação, e possam, o quanto possam, estarem preparados para darem uma satisfação àqueles que lhes perguntarem sobre a nossa esperança.

Vejamos primeiramente o que é pecar, e o que é satisfazer pelo pecado.

Se o anjo ou o homem sempre dessem a Deus o que lhe é devido, nunca pecariam, pois nada mais é pecar do que não dar a Deus o que lhe é devido, isto é, toda a vontade da criatura racional sujeita à vontade de Deus.

Quem não dá a Deus isto que lhe é devido, tira de Deus o que lhe é devido e o desonra, e isto é pecar. Enquanto não devolver o que é devido, permanece em culpa.

Não é suficiente, porém, devolver o que lhe foi tirado, pois pela injúria feita sempre deve-se devolver mais do que se tirou. É assim que não é suficiente para quem lesa a saúde de outro que lhe devolva a saúde, pois deve também, pela dor impingida, recompensar-lhe com algo mais. Do mesmo modo não é suficiente para quem viola a honra de alguém que lhe devolva a honra, pois deve também, de acordo com o dano que lhe causou, restituir-lhe algo a mais que seja de seu agrado.

Mas com que poderás resgatar a Deus pelo teu pecado? Arrependimento, um coração contrito e humilhado, abstinências, trabalhos corporais, misericórdia no dar e no perdoar e obediência? Em tudo isto, porém, o que dás a Deus? Ao dares a Deus algo que já lhe devias, mesmo que não tivesses pecado, não podes computar isto como o resgate que lhe deves pelo teu pecado. O que, pois, lhe darás pelo teu pecado? Se eu mesmo, e tudo o que eu posso, mesmo quando não peco, e Ele o devo para que não peque, nada mais terei com que possa resgatar pelo pecado.

Entretanto, ainda que estas coisas não as devesse já a Deus, mesmo estas não seriam suficientes para resgatar do pecado, mesmo de um pecado tão pequeno como um olhar contra a vontade de Deus.

Considera quão grave é o pecado. Se estás na presença de Deus e alguém te dissesse:

"Olha",

e Deus, ao contrário:

"De modo algum
quero que olhes",

pergunta em teu coração qual é o motivo que justificaria ir contra a vontade de Deus.

Se necessário fosse olhar para que todo o mundo e tudo o que não é Deus não perecesse e não voltasse ao nada, mesmo se houvessem muitos mundos cheios de criaturas e que estas se multiplicassem ao infinito, nem por isto deverias olhar, o que não significa outra coisa senão que tudo isto é de menos valor do que a gravidade do pecado.

Ninguém, pois, poderá satisfazer pelo pecado, por menor que seja, a não ser quem puder resgatar pelo pecado do homem com algo que seja maior do que tudo o que não é Deus.

Ora, somente poderá dar algo de seu a Deus que seja maior do que tudo o que há debaixo de Deus aquele que for maior do que tudo aquilo que não é Deus.

Ninguém, porém está acima de tudo o que não é Deus senão Deus.

Portanto, não poderá satisfazer pelo pecado do homem ninguém, senão só Deus. Mas também não o poderá fazer, se não for homem, caso contrário não será o homem que dará a satisfação.

É necessário, portanto, que esta satisfação venha do Deus homem.

A razão, portanto, nos ensina que quem satisfará pelo pecado do homem deve possuir algo maior do que tudo o que há debaixo de Deus, e que o dê espontaneamente, e não por uma obrigação, a Deus. Deverá, pois, se pôr a si mesmo para a honra de Deus, ou algo de si mesmo que de algum modo já não o devesse a Deus.

Se, porém, o Filho de Deus der a sua vida a Deus, ou se se oferecer à morte para a honra de Deus, isto Deus não o exigiria dele, porque a morte entrou no mundo pelo pecado, e o Deus homem não tendo pecado, não seria obrigado a morrer.

É fácil também ver que a morte deste homem é maior do que tudo aquilo que há ou pode haver no mundo.

Considera que se alguém te dissesse:

"Se não matares este homem,
perecerá todo este mundo
e tudo o que não é Deus",

deverias matá-lo para conservar todas as demais criaturas? Não o farias, certamente, mesmo que te mostrassem um número infinito de criaturas. E se te dissessem:

"Ou o matas,
ou todos os pecados do mundo
cairão sobre a tua alma"?

Deverias responder que mais preferirias que caíssem sobre a tua alma todos os pecados não só deste mundo, como de todos os que existiram e de todos os que existirão, do que matar a este homem.

Mas por que esta é a resposta que deverias dar, senão porque a vida deste homem, ou mesmo uma sua pequena lesão, vale mais do que todos os pecados do mundo? De onde que se segue que esta vida é mais amável do que são odiáveis todos os pecados.

Não vês que um bem tão amável pode ser suficiente para pagar o que é devido pelos pecados de todo o mundo? Na verdade o pode mais ao infinito.

Vê-se, portanto, como esta vida pode vencer todos os pecados, se por eles for entregue.

Se, porém, o Filho de Deus oferecer espontaneamente a Deus um dom tão grande assim, não é justo que fique sem retribuição. Mas o que se lhe dará que como Deus já não o tivesse, ou o que se lhe perdoará, se nada devia? Antes que o Filho oferecesse sua vida ao Pai, tudo o que era do Pai também era seu, e nunca deveu nada que pudesse ter que lhe ser perdoado.

Vê-se, assim, por um lado, a necessidade de ser recompensado,e por outro, a impossibilidade de se o fazer.

Mas se o Filho quisesse o que a si é devido, dá-lo a outrem, poderia o Pai proibir-lhO?

Mas a quem mais convenientemente atribuiria o fruto e a retribuição de sua morte senão àqueles por quem se fêz homem para os salvar e aos quais morrendo deu o exemplo de morrer pela justiça? Inutilmente seriam seus imitadores, se não pudessem ser partícipes de seus méritos.

Ou a quem mais justamente faria herdeiros da dívida, da qual ele não necessita, e da exuberância de sua plenitude, do que aos seus pais e irmãos? Nada mais racional, nada mais doce, nada mais desejável o mundo jamais poderá ouvir. É evidente que Deus jamais rejeitará a nenhum homem que dele se aproxime sob a tutela de seu nome. Verdadeiramente quem sobre este fundamento edifica, está alicerçado sobre uma rocha firme.

Quem poderá conceber uma misericórdia maior do que o pecador, condenado ao eterno tormento, sem ter como redimir-se, ao qual Deus Pai se dirige e lhe diz:

"Aceita o meu Filho Unigênito,
e ele te redimirá?"

E o próprio Filho:

"Toma-me contigo,
e redime-te?"

Pois é de fato isto o que dizem, quando nos chamam à fé cristã e a ela nos trazem.


Fonte: Cristianismo.org.br
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