segunda-feira, 31 de março de 2014

São Tomás de Aquino - Os efeitos da Eucaristia



S. Tomás de Aquino

OS EFEITOS DA EUCARISTIA

- Summa Theologiae IIIa. Pars Qs. 79-80 -
- Sermão sobre o Corpo do Senhor -

01.
No Sacramento da Eucaristia, em virtude das palavras da instituição, as espécies simbólicas se mudam em corpo e sangue; seus acidentes subsistem no sujeito; e nele, pela consagração, sem violação das leis da natureza, o Cristo único e inteiro existe Ele próprio em diversos lugares, assim como uma voz é ouvida e existe em vários lugares, continuando inalterado e permanecendo inviolável quando dividido, sem sofrer diminuição alguma. Cristo, de fato, está inteira e perfeitamente em cada e em todo fragmento de hóstia, assim como as aparências visíveis que se multiplicam em centenas de espelhos.

02.
O efeito deste Sacramento deve ser considerado, portanto, primeira e principalmente em função daquilo que nele está contido, que é o Cristo.

Ele, vindo ao mundo em forma visível, trouxe ao mundo a vida da graça, segundo nos diz o Evangelho de João:

"A graça e a verdade, porém,
vieram por meio de Jesus Cristo".

Assim, da mesma forma, vindo Cristo ao mundo em forma sacramental, opera a vida da graça, segundo ainda outra passagem do mesmo Evangelho:

"Quem me come,
viverá por mim",

03.
O efeito deste Sacramento deve, ademais, ser considerado também pelo que ele representa, que é a Paixão de Cristo. Por isto, o efeito que a Paixão de Cristo realizou no mundo, este Sacramento também realiza no homem.

04.
O efeito deste Sacramento também deve ser considerado pelo modo através do qual ele é trazido aos homens, que é por modo de comida e bebida. E por isto todo efeito que a bebida e a comida material realizam quanto à vida corporal, isto é, sustentar, crescer, reparar e deleitar, tudo isto realiza este Sacramento quanto à vida espiritual. E é por isto que se diz:

"Este é o pão da vida eterna,
pelo qual se sustenta
a substância de nossa alma".

De onde que o próprio Senhor diz, no Evangelho de São João:

"Minha carne é verdadeiramente comida,
e meu sangue é verdadeiramente bebida".

05.
Finalmente, o efeito do Sacramento da Eucaristia deve ser considerado pelas espécies em que este Sacramento nos é oferecido. Foi por causa disto que escreveu Santo Agostinho:

"O Senhor confiou-nos
o Seu Corpo e o Seu Sangue
em coisas tais que são reduzidas à unidade
a partir de muitas outras,
porque o pão é um,
embora conste de muitos grãos,
e o vinho é feito
a partir de muitas uvas".

E por isso ele também escreveu em outro lugar:

"Ó Sacramento da piedade,
ó sinal da unidade,
ó vínculo da caridade!".

06.
E porque Cristo e sua Paixão são causa da graça, e uma refeição espiritual e a caridade não podem existir sem a graça, por todas estas coisas é manifesto que este Sacramento confere a graça.

07.
Mas, conforme diz São Gregório na homilia de Pentecostes,

"o amor de Deus não é ocioso;
opera grandes coisas,
se de fato existe".

Por isto, por meio deste Sacramento, o quanto pertence a seu efeito próprio, não somente é conferido o hábito da graça e da virtude, mas também esta é conduzida ao ato, segundo o que está escrito na Segunda Epístola aos Coríntios:

"O amor de Cristo
nos impele".

Daqui é que provém que pela virtude do Sacramento da Eucaristia a alma faz uma refeição espiritual por deleitar-se e inebriar-se pela doçura da bondade divina, segundo o que diz o Cântico dos Cânticos:

"Comei, amigos, e bebei;
e inebriai-vos, caríssimos".

08.
Este Sacramento também tem virtude para a remissão dos pecados veniais, o que pode ser visto pelo fato de que ele é tomado sob a espécie de alimento nutritivo. A nutrição proveniente do alimento é necessária ao corpo para restaurar aquilo que em cada dia é desperdiçado pelo calor natural. Espiritualmente, porém, em nós também é desperdiçado a cada dia algo pelo calor da concupiscência pelos pecados veniais que diminuem o fervor da caridade. E por isto compete a este Sacramento a remissão dos pecados veniais. De onde que Santo Ambrósio diz, no livro Dos Sacramentos, que este pão de cada dia é tomado

"como remédio
da enfermidade de cada dia".

09.
Ademais, a coisa deste Sacramento é a caridade, não somente quanto ao hábito, mas também quanto ao ato, ao qual é conduzida neste Sacramento, pelo qual os pecados veniais se dissolvem. De onde que é manifesto que pela virtude deste Sacramento ocorre a remissão dos pecados veniais. Os pecados veniais, ao contrário dos mortais, não contrariam a caridade quanto ao hábito, mas contrariam a caridade quanto ao fervor do ato, ao qual é conduzida por este Sacramento. É por esta razão que os pecados veniais são perdoados pelo Sacramento da Eucaristia.

10.
O Sacramento da Eucaristia pode também perdoar toda a pena devida ao pecado. Este efeito pode ocorrer tanto por ele ser sacrifício, como por ser sacramento. A Eucaristia possui razão de sacrifício na medida em que é oferecido; possui razão de sacramento na medida em que é tomado.

11.
Como Sacramento, a Eucaristia possui diretamente aquele efeito para o qual foi instituído. Não foi, porém, como Sacramento, instituído para satisfazer, mas para alimentar espiritualmente pela união a Cristo e aos seus membros, assim como o alimento se une ao alimentado. Mas porque esta união se realiza pela caridade, por cujo fervor alguém pode conseguir a remissão não apenas da culpa, mas também da pena, daqui ocorre que por conseqüência, por uma certa concomitância ao efeito principal, o homem alcança a remissão também para a pena. Não, porém, de toda a pena, mas de acordo como o modo de sua devoção e fervor.

12.
Mas, na medida em que é Sacrifício, a Eucaristia possui virtude satisfatória. Entretanto, também na satisfação mais deve se considerar o afeto do oferente do que a quantidade da oblação, de onde que o Senhor disse, no Evangelho de São Lucas, da viúva que ofereceu apenas duas moedas, que

"ofereceu mais do que todos".

Embora, portanto, a oblação eucarística pela sua própria quantidade seja suficiente para a satisfação de toda a pena, todavia torna-se satisfatória para aqueles pelos quais é oferecida, ou também para os próprios oferentes, de acordo com a quantidade de sua devoção, e não por toda a pena.

13.
A Eucaristia também preserva o homem dos pecados futuros, pelo mesmo modo em que o corpo é preservado da morte futura. O pecado é uma certa morte espiritual da alma. Ora, a natureza corporal do homem é preservada da morte pela comida e pelo remédio na medida em que a natureza humana é interiormente fortificada contra o que pode corrompê-la interiormente. É deste modo que este Sacramento preserva o homem do pecado, porque através dele, unindo-se a Cristo pela graça, é fortalecida a vida espiritual do homem, ao modo de uma comida espiritual e um remédio espiritual. É assim que diz o Salmo 103:

"O pão confirma
o coração do homem".

 14.
A Eucaristia preserva o homem dos pecados futuros também defendendo-o contra as impugnações exteriores. Pois é sinal da Paixão de Cristo, pela qual foram vencidos os demônios, de modo que este Sacramento repele toda a impugnação dos demônios.

15.
Ainda que este Sacramento não diretamente se ordene à diminuição do incitamento do pecado, diminui, porém, este incitamento por uma certa conseqüência, na medida em que aumenta a caridade, porque, segundo diz Agostinho no Livro das 83 Questões,

"O aumento da caridade
é a diminuição da cobiça".

Diretamente, porém, a Eucaristia confirma o homem no bem, pelo que também é preservado o homem do pecado.

16.
Este Sacramento, ademais, é de proveito para muitos outros além dos que o recebem porque, conforme foi dito, este Sacramento não é apenas sacramento, mas é também sacrifício. Na medida em que neste Sacramento é representada a Paixão de Cristo, pela qual Cristo se ofereceu a Si mesmo como hóstia a Deus, possui razão de sacrifício. Na medida, porém, em que neste Sacramento é trazida invisivelmente a graça sob uma espécie visível, possui razão de sacramento.

17.
Assim, pois, este Sacramento é, para os que o recebem, de proveito não só por modo de sacramento, como também por modo de sacrifício, porque é oferecido por todos os que o recebem.

18.
Mas também é de proveito para os que não o recebem, embora apenas por modo de sacrifício, na medida em que é oferecido pela salvação deles. É por isso que no cânon da Missa se diz:

"Lembrai-vos, Senhor,
dos vossos servos e servas,
pelos quais nós Vos oferecemos,
e eles Vos oferecem também,
este Sacrifício de louvor,
por si e por todos os seus,
pela redenção de suas almas,
pela esperança de sua salvação
e sua segurança".

19.
O próprio Senhor, ademais, expressou que a Eucaristia seria de proveito para outros além dos que a recebem, quando disse, na última Ceia:

"Este cálice é o meu sangue,
que por vós",

isto é, os que o recebem,

"e por muitos"

outros,

"será derramado
para o perdão dos pecados".

20.
Pode-se, porém, argumentar que sendo o efeito deste Sacramento a obtenção da graça e da glória e a remissão da culpa, pelo menos da venial, se este Sacramento realmente tivesse efeito em outros além dos que o recebem poderia acontecer que alguém alcançasse a glória, a graça e a remissão das culpas sem ação nem paixão própria, por algum outro ter oferecido ou recebido este Sacramento.

Responde-se a isto dizendo que assim como a Paixão de Cristo é de proveito para todos para a remissão da culpa, e a obtenção da graça e da glória, mas não produz efeito senão naqueles que se unem à Paixão de Cristo pela fé e pela caridade, assim também este sacrifício que é a Eucaristia, memorial da Paixão do Senhor, não produz efeito senão naqueles que se unem a este Sacramento pela fé e pela caridade. De onde que no Cânon da Missa não se ora por aqueles que estão fora da Igreja. Aos que nela estão, porém, o Sacrifício Eucarístico é de proveito maior ou menor de acordo com o modo de sua devoção.

21.
Mas, assim como deve-se dizer que o Sacramento da Eucaristia obtém a remissão dos pecados veniais, assim devemos também dizer que os pecados veniais impedem o efeito deste Sacramento. Pois diz São João Damasceno:

"O fogo do seu desejo que há em nós,
acendendo-se mediante
aquele fogo que há no carvão",

isto é, neste Sacramento,

"queimará nossos pecados
e iluminará nossos corações
para que ardamos e nos deifiquemos
pela participação do fogo divino".

Mas o fogo do nosso desejo ou do nosso amor é impedido pelos pecados veniais, que impedem o fervor da caridade. Portanto, os pecados veniais impedem o efeito deste Sacramento.

22.
Os pecados veniais podem ser considerados de dois modos. De um primeiro modo, na medida em que são passados. De um segundo modo, na medida em que estão sendo exercidos em ato.

Segundo o primeiro modo, os pecados veniais de nenhum modo impedem o efeito deste Sacramento. De fato, pode acontecer que alguém, depois de ter cometido muitos pecados veniais, se aproxime devotamente a este Sacramento e alcance plenamente o seu efeito.

Porém, de acordo com o segundo modo, os pecados veniais não impedem totalmente o efeito deste Sacramento, mas apenas em parte. De fato, foi dito que o efeito deste Sacramento não é apenas a obtenção da graça habitual ou da caridade habitual, mas também uma certa refeição atual de espiritual doçura. A qual, na verdade, é impedida se alguém se aproximar a este Sacramento com a mente distraída pelos pecados veniais. O aumento da graça habitual ou da caridade habitual, porém, não é tirado.

23.
Aquele que com o ato do pecado venial se aproxima deste Sacramento come espiritualmente segundo o hábito, mas não segundo o ato. E por isto recebe o efeito deste Sacramento segundo o hábito, não segundo o ato.

24.
Nisto o Sacramento da Eucaristia difere do Batismo, porque o Batismo não se ordena a um efeito atual, isto é, ao fervor da caridade, do modo como ocorre com o Sacramento da Eucaristia. O Batismo é uma regeneração espiritual, pelo qual se adquire uma primeira perfeição, que é um hábito ou forma; mas a Eucaristia é uma refeição espiritual que possui uma deleitação atual.

25.
Quem está em pecado mortal comete sacrilégio ao receber a Eucaristia, porque há duas coisas sacramentais na Eucaristia. A primeira, significada e contida, é o próprio Cristo; a segunda, significada mas não contida, é o Corpo Místico de Cristo, isto é, a sociedade dos santos. Quem quer que, pois, receba este Sacramento, só por isto significa estar unido a Cristo e aos seus membros. Ora, isto se realiza pela fé formada pela caridade, que ninguém pode possuir juntamente com o pecado mortal. E por isto é manifesto que quem quer que receba este Sacramento em pecado mortal comete nele falsidade. Incorre, por este motivo, em sacrilégio, como violador do Sacramento. Peca, por causa disto, mortalmente.

26.
Os pecadores, porém, que tocavam o Corpo de Cristo não sob a espécie sacramental, mas em sua substância própria, não pecavam. Às vezes até alcançavam o perdão dos pecados, como se lê no Evangelho de São Lucas a respeito da mulher pecadora. Isto acontecia porque o Cristo, aparecendo sob a sua espécie própria, não se exibia para ser tocado pelos homens em sinal de união espiritual com Ele, como é o caso quando se oferece para ser recebido neste Sacramento. Foi por isso que os pecadores que o tocavam em sua própria espécie não incorriam no crime de falsidade contra a divindade, como o fazem os pecadores que recebem este Sacramento.

27.
O pecador que recebe o Corpo de Cristo pode ser comparado, quanto à semelhança do crime, a Judas que beijou Cristo, porque ambos ofendem a Cristo sob um sinal de caridade.

Esta semelhança compete a todos os pecadores em geral, porque por todos os pecados mortais age-se contra a caridade de Cristo, de que é sinal este Sacramento, e tanto mais quanto os pecados são mais graves.

Mas sob um aspecto especial os pecados contra o sexto mandamento tornam o homem mais inepto para o recebimento deste Sacramento, na medida em que, a saber, por este pecado o espírito é maximamente submetido à carne, e desta maneira é impedido o fervor do amor que é requerido neste Sacramento.

28.
Que ninguém, pois, se aproxime desta Mesa sem reverente devoção e fervente amor, sem verdadeiro arrependimento, ou sem lembrar-se de sua Redenção.

Maravilhoso é este Sacramento em que uma inefável eficácia inflama os afetos com o fogo da caridade. Que revigorante maná é aqui oferecido para o viajante! Ele restaura o vigor dos fracos, a saúde para os doentes, confere o aumento da virtude, faz a graça superabundar, purga os vícios, refresca a alma, renova a vida dos aflitos, vincula uns aos outros todos os fiéis na união da caridade. Este Sacramento da fé também inspira a esperança e aumenta a caridade. É o pilar central da Igreja, a consolação dos que falecem, e o acabamento do Corpo Místico de Cristo. A fé amadurece, e a devoção e a caridade fraterna são aqui saboreadas. Que estupenda provisão para o caminho é esta, que conduz o viajante até à montanha das virtudes! Este é o pão verdadeiro que é comido e não consumido, que dá força sem perdê-la. É a nascente da vida e a fonte da graça. Perdoa o pecado e enfraquece a concupiscência. Os fiéis encontram aqui a sua refeição, e as almas um alimento que ilumina a inteligência, inflama os afetos, purga os defeitos, eleva os desejos. Ó cálice de doçura para as almas devotas, este sublime Sacramento, ó Senhor Jesus, declara para os que crêem Tuas maravilhosas obras.


Fonte: Cristianismo.org.br

domingo, 30 de março de 2014

“Tantos anos lutando...” - São Josemaria Escrivá



Chegaram nuvens densas de falta de vontade, de perda de entusiasmo. Caíram aguaceiros de tristeza, com a clara sensação de te encontrares atado. E, como remate, assomaram decaimentos, que nascem de uma realidade mais ou menos objetiva: tantos anos lutando..., e ainda estás tão atrás, tão longe. Tudo isto é necessário, e Deus conta com isso: para alcançarmos o “gaudium cum pace” - a paz e a alegria verdadeiras -, temos de acrescentar, à convicção da nossa filiação divina, que nos enche de otimismo, o reconhecimento da nossa fraqueza pessoal. (Sulco, 78)

Mesmo nos momentos em que percebemos mais profundamente a nossa limitação, podemos e devemos olhar para Deus Pai, para Deus Filho e para Deus Espírito Santo, sabendo-nos participantes da vida divina. Não há nunca motivo suficiente para voltarmos a cara para trás: o Senhor está ao nosso lado. Temos que ser fiéis, leais, fazer frente às nossas obrigações, encontrando em Jesus o amor e o estímulo para compreender os erros dos outros e vencer os nossos próprios erros. Assim, todos esses abatimentos - os teus, os meus, os de todos os homens -, servirão também de suporte para o reino de Cristo.

Reconheçamos as nossas mazelas, mas confessemos o poder de Deus. O otimismo, a alegria, a convicção firme de que o Senhor quer servir-se de nós, têm de informar a vida cristã. Se nos sentimos parte da Igreja Santa, se nos consideramos sustentados pela rocha firme de Pedro e pela ação do Espírito Santo, decidir-nos-emos a cumprir o pequeno dever de cada instante: a semear cada dia um pouco. E a colheita fará transbordar os celeiros. (É Cristo que passa, 160)
 
Créditos: Página Mensagens de São Josemaria Escrivá

sábado, 29 de março de 2014

Eu só tenho medos dos maus Católicos - Sta. Bernadette Soubirous



"A irmã Bernardette estava no convento em Neveres, no ano de 1870, e a guerra estava prestes a começar no Norte da França, onde os soldados alemães da Prússia marchavam em direcção a Paris. A primeira versão impressa deste relato, publicada enquanto Santa Bernadette ainda estava viva, é a seguinte. Um visitante veio ter com ela e fez-lhe estas questões:

- Recebeu, na gruta de Lourdes, ou depois disso, alguma revelção relacionada com o futuro e o destino da França? A Santíssima Virgem não lhe deixou nenhum aviso para a França, nenhum perigo?

- Não

- Os soldados da Prússia estão às nossas portas; isso não lhe causa medo?

- Não.

- Então não há nada para ter medo?

- Eu só tenho medo dos maus Católicos.

- Não tem medo de mais nada?

- Não, de mais nada. "


Fonte: Senza Pagare (com adaptações)

O exame dos pecados veniais de Santo António Maria Claret



A alma deve evitar todos os pecados veniais, especialmente os que abrem caminho ao pecado grave. Ó minha alma, preferes firmemente antes sofrer a morte do que cometer um pecado grave. É necessário ter uma resolução semelhante em relação ao pecado venial. Quem não encontrar em si esta vontade, não pode sentir-se seguro.

Não há nada que nos possa dar uma tal certeza de salvação eterna do que uma preocupação constante em evitar o pecado venial, por insignificante que seja, e um zelo definido e geral, que alcance todas as práticas da vida espiritual — zelo na oração e nas relações com Deus; zelo na mortificação e na negação dos apetites; zelo em obedecer e em renunciar à vontade própria; zelo no amor de Deus e do próximo. Para alcançar este zelo e conservá-lo, devemos querer firmemente evitar sempre os pecados veniais, especialmente os seguintes:

O pecado de dar entrada no coração de qualquer suspeita não razoável ou de opinião injusta a respeito do próximo.

O pecado de iniciar uma conversa sobre os defeitos de outrem, ou de faltar à caridade de qualquer outra maneira, mesmo levemente.

O pecado de omitir, por preguiça, as nossas práticas espirituais, ou de as cumprir com negligência voluntária.
O pecado de manter um afeto desregrado por alguém.

O pecado de ter demasiada estima por si próprio, ou de mostrar satisfação vã por coisas que nos dizem respeito.

O pecado de receber os Santos Sacramentos de forma descuidada, com distrações e outras irreverências, e sem preparação séria.

Impaciência, ressentimento, recusa em aceitar desapontamentos como vindo da Mão de Deus; porque isto coloca obstáculos no caminho dos decretos e disposições da Divina Providência quanto a nós.

O pecado de nos proporcionarmos uma ocasião que possa, mesmo remotamente, manchar uma situação imaculada de santa pureza.
O pecado de esconder propositadamente as nossas más inclinações, fraquezas e mortificações de quem devia saber delas, querendo seguir o caminho da virtude de acordo com os caprichos individuais e não segundo a direção da obediência.

Nota: Fala-se aqui de situações em que encontraremos aconselhamento digno se o procurarmos, mas nós, apesar disso, preferimos seguir as nossas próprias luzes, embora frouxas. Oração para uma boa confissão:

Meu Deus, por causa dos meus pecados crucifiquei de novo o Vosso Divino Filho e escarneci dEle. Por isto sou merecedor da Vossa cólera e expus-me ao fogo do Inferno. E como fui ingrato para conVosco, meu Pai do Céu, que me criastes do nada, me redimistes pelo preciosíssimo sangue do Vosso Filho e me santificastes pelos Vossos santos Sacramentos e pelo Espírito Santo! Mas Vós poupastes-me pela Vossa misericórdia, para que eu pudesse fazer esta confissão.

Recebei-me, pois, como Vosso filho pródigo e dai-me a graça de uma boa confissão, para que possa recomeçar a amar-Vos de todo o meu coração e de toda a minha alma, e para que possa, a partir de agora, cumprir os Vossos Mandamentos e sofrer com paciência os castigos temporais que possam cair sobre mim. Espero, pela Vossa bondade e poder, obter a vida eterna no Paraíso. Por Jesus Cristo, Nosso Senhor. Amen.

Nota final

Lembre-se de confessar os seus pecados com arrependimento sobrenatural, tendo uma resolução firme de não tornar a pecar e de evitar situações que levem ao pecado. Peça ao seu confessor que o ajude a superar alguma dificuldade que tenha em fazer uma boa confissão. Cumpra prontamente a sua penitência.

Ato de Contrição

Meu Deus, porque sois infinitamente bom e Vos amo de todo o meu coração, pesa-me de Vos ter ofendido, e com o auxílio da Vossa divina graça, proponho firmemente emendar-me e nunca mais Vos tornar a ofender. Peço e espero o perdão das minhas culpas pela Vossa infinita misericórdia. Amen.

Fonte: Senza Pagare (com adaptações)

quinta-feira, 27 de março de 2014

Eis a serva do Senhor - S. Bernardo de Claraval


Ouviste, ó Virgem, a voz do Anjo: Conceberás e darás à luz um filho. Ouviste-o dizer que não será por obra de varão, mas por obra do Espírito Santo. O Anjo aguarda a resposta: é tempo de ele voltar para Deus que o enviou. Também nós, miseravelmente oprimidos por uma sentença de condenação, também nós, Senhora, esperamos a tua palavra de misericórdia.

Em tuas mãos está o preço da nossa salvação. Se consentes, seremos imediatamente libertados. Todos fomos criados pelo Verbo eterno de Deus, mas agora vemo-nos condenados à morte: a tua breve resposta pode renovar-nos e restituir-nos à vida.

Isto te suplica, ó piedosa Virgem, o pobre Adão, desterrado do paraíso com toda a sua mísera posteridade; isto te suplicam Abraão e David. Imploram-te todos os santos Patriarcas, teus antepassados, também eles retidos na região das sombras da morte. Todo o mundo, prostrado a teus pés, espera a tua resposta: da tua palavra depende a consolação dos infelizes, a redenção dos cativos, a liberdade dos condenados, a salvação de todos os filhos de Adão, de toda a tua linhagem.

Dá, depressa, ó Virgem, a tua resposta. Responde sem demora ao Anjo, ou, para melhor dizer, ao Senhor por meio do Anjo. Pronuncia uma palavra e recebe a Palavra. Profere a tua palavra humana e concebe a divina. Diz uma palavra transitória e acolhe a Palavra eterna.

Porque demoras? Porque receias? Crê, consente e recebe. Encha-se de coragem a tua humildade e de confiança a tua modéstia. Não convém de modo algum, neste momento, que a tua simplicidade virginal esqueça a prudência. Virgem prudente, não temas neste caso a presunção, porque, embora seja louvável aliar a modéstia ao silêncio, mais necessário é, agora aliar a piedade à palavra.

Abre, ó Virgem santa, o coração à fé, os lábios ao consentimento, as entranhas ao Criador. Eis que o desejado de todas as nações está à tua porta e chama. Se te demoras e Ele passa adiante, terás então de recomeçar dolorosamente a procurar o amado da tua alma. Levanta-te, corre, abre. Levanta-te pela fé, corre pela devoção, abre pelo consentimento.

«Eis a serva do Senhor, disse a Virgem, faça-se em mim segundo a tua palavra».


Fonte: Blog Senza Pagare

Da glória de São José, Esposo da Virgem Maria - Santo Afonso Maria de Ligório



Qui custos est Domini sui, glorificabitur — “O que é o guarda do seu Senhor, será glorificado” (Prov. 27, 18).

Sumário. Devemos ter por certo que a vida de São José, sob a vista e na companhia de Jesus e Maria, foi uma oração contínua, cheia de fé, de confiança, de amor, de resignação e de oferecimento. Visto que a recompensa é proporcionada aos merecimentos da vida, considera quão grande será no paraíso a glória do santo Patriarca. Com razão se admite que ele, depois da Bem-aventurada Virgem, leva vantagem a todos os demais Santos. Por isso, quando São José quer obter alguma graça para seus devotos, não tanto pede, como de certo modo manda a Jesus e Maria.

I. A glória que Deus confere no céu a seus Santos é proporcionada à santidade de vida que eles levaram em terra. Para termos uma idéia da santidade de São José, basta que consideremos unicamente o que diz o Evangelho: Ioseph autem vir eius, cum esset iustus (1) — “José seu esposo, como era homem justo”. A expressão homem justo significa um homem que possui todas as virtudes; porquanto aquele a quem falta uma delas, não pode ser chamado justo.

Ora, se o Espírito Santo chamou a São José justo, na ocasião em que foi escolhido para Esposo de Maria, avalia, que tesouros de amor divino e de todas as virtudes o nosso Santo não devia auferir dos colóquios e da contínua convivência com a sua santa Esposa, que lhe dava exemplos perfeitos de todas as virtudes. Se uma só palavra de Maria foi bastante eficaz para santificar ao Batista e para encher Santa Isabel do Espírito Santo, a que alturas não pensamos que deve ter chegado a bela alma de José pela convivência familiar com Maria, da qual gozou pelo espaço de tantos anos?

Além disso, que aumento de virtudes e de méritos não deve ter adquirido São José convivendo continuamente por tantos anos com a própria santidade, Jesus Cristo, servindo-O, alimentando-O e assistindo-Lhe nesta terra?

Se Deus promete recompensar aquele que por seu amor dá um simples copo de água a um pobre, considera quão alta glória terá dado a José, que O salvou das mãos de Herodes, Lhe forneceu vestidos e alimentos, O trouxe tantas vezes nos braços e carregou com tamanho afeto. — Devemos ter por certo que a vida de São José, sob a vista e na companhia de Jesus e Maria, foi uma oração contínua, cheia de atos de fé, de confiança, de amor, de resignação e de oferecimento. Se, pois, a recompensa é proporcionada aos merecimentos ajuntados na vida, considera quão grande será a glória de São José no paraíso!

II. Santo Agostinho compara os demais Santos com estrelas, mas São José com o sol. O Padre Soares diz que é muito aceitável a opinião que depois de Maria, São José leva vantagem a todos os demais Santos em merecimento e em glória. Donde o Ven. Bernardino de Bustis conclui que São José, de certo modo, dá ordens a Jesus e Maria quando quer impetrar algum favor para os seus devotos.

Meu santo Patriarca, agora que gozais no céu sobre um trono elevado junto do vosso amadíssimo Jesus, que vos foi submetido na terra, tende compaixão de mim, que vivo no meio de tantos inimigos, maus espíritos e más paixões, que me dão combates contínuos para me fazerem perder a graça de Deus. Ah! Pela felicidade que tivestes, de gozar na terra, sem interrupção, da companhia de Jesus e Maria, alcançai-me a graça de passar o resto de minha vida sempre unido a Deus e de morrer depois no amor de Jesus e Maria, para que um dia possa ir gozar, convosco, da sua companhia, no reino dos bem-aventurados.


E Vós, ó meu amado Jesus, meu amantíssimo Redentor, quando poderei ir gozar-Vos e amar-Vos no paraíso face a face, seguro de não Vos poder mais perder? Enquanto viver, estarei exposto a tal perigo. Ah, meu Senhor e meu único Bem, pelos merecimentos de São José, que Vós amais e honrais tanto no céu; pelos merecimentos de vossa querida Mãe; e mais ainda, pelos merecimentos de vossa vida e morte, pelas quais merecestes para mim todo o bem e toda a esperança: não permitais que em tempo algum eu me separe nesta terra de vosso amor, a fim de que possa ir para a pátria do amor, a possuir-Vos e amar-Vos com todas as minhas forças e nunca mais em toda a eternidade afastar-me da vossa presença e do vosso amor. (II 432.)
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1. Matth. 1, 19.


(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 345-347.)


Fonte: Blog São Pio V

segunda-feira, 24 de março de 2014

Comentário ao Evangelho do dia (16/03) feito por São João Crisóstomo



(c. 345-407), presbítero de Antioquia, bispo de Constantinopla, doutor da Igreja
Homilias sobre o Evangelho de Mateus, n º 56; PG 58, 549


«Não conteis a ninguém o que acabastes de ver, até que o Filho do Homem seja ressuscitado dentre os mortos»

 
Jesus Cristo conversou muito com os seus discípulos acerca dos seus sofrimentos, da sua Paixão e morte, e predisse os males que iria suportar e a morte violenta que um dia os faria sofrer (Mt 16,21-26). Foi por isso que, depois de lhes dizer coisas tão duras e tão difíceis, tentou consolá-los evocando as recompensas que lhes daria quando viesse na glória de seu Pai (v. 27). […] Quis mostrar-lhes com antecedência, na medida em que eles eram capazes de o compreender nesta vida, a grande majestade na qual estava para vir, impedindo assim a perturbação e a dor que os seus apóstolos, especialmente Pedro, poderiam sentir perante a sua morte. […]

«Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João.» Porque tomou apenas esses três apóstolos? Provavelmente porque eles excediam os outros: São Pedro por causa de seu entusiasmo e do seu amor; São João porque era o discípulo que Jesus amava (Jo 13,23), e São Tiago, porque dissera, com seu irmão: «Podemos [beber o teu cálice]» (Mt 20,22), e porque manteve a sua palavra (Act 12,2). […]

Porque fez aparecer Moisés e Elias? […] Ele era constantemente acusado de violar a Lei e de blasfemar, apropriando-Se de uma glória que não Lhe pertencia, a glória do Pai.[…] Querendo pois mostrar que não violava a Lei e que não Se atribuía uma glória que não Lhe pertencia, Jesus invoca a autoridade das duas testemunhas mais irrepreensíveis: Moisés, que dera a Lei […], e Elias, que fora abrasado de zelo pela glória e o serviço de Deus (1Rs 19,10). […] Além disso, queria ensinar-lhes que era o senhor da vida e da morte, trazendo à sua presença um homem que estava morto e outro que tinha sido transportado vivo numa carruagem de fogo (2Rs 2,11). E queria revelar aos seus discípulos a glória da sua cruz, consolar Pedro e os companheiros, que se sentiam atemorizados pela sua Paixão, aumentar-lhes a coragem. Com efeito, Moisés e Elias falavam com Ele da glória que haveria de receber em Jerusalém (Lc 9,31), ou seja, da sua Paixão e da sua cruz, que os profetas sempre tinham apelidado de sua glória. 
 
 
Fonte: Evangelho Quotidiano

Comentário ao Evangelho do dia (15/03) feito por São Cesário de Arles



(470-543), monge, bispo
Sermões ao povo, n° 37; SC 243


«Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos»


Algum de vós dirá: «Não sou capaz de amar os meus inimigos.» Deus não cessa de te dizer nas Escrituras que és capaz, e tu respondes-Lhe dizendo que não és? Reflecte comigo: em quem devemos acreditar, em Deus ou em ti? Uma vez que Aquele que é a própria Verdade não pode mentir, que a fraqueza humana abandone desde agora as suas desculpas fúteis. Aquele que é justo não pode ordenar coisas impossíveis, nem Aquele que é misericordioso condenará um homem por algo que este não era capaz de evitar. Nesse caso, a que se devem as nossas hesitações? Ninguém sabe melhor aquilo de que somos capazes do que Aquele que nos tornou capazes. Há tantos homens, tantas mulheres e crianças, tantas jovens delicadas que por amor de Cristo suportaram as chamas, o fogo, o gládio e os animais selvagens de forma imperturbável, e nós dizemos que não somos capazes de suportar insultos de gente estúpida? […]

Com efeito, se só tivéssemos de amar os bons, que haveríamos de dizer do comportamento do nosso Deus, sobre quem está escrito: «De tal modo amou Deus o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito»? (Jo 3,16) Pois que bem tinha o mundo feito para que Deus assim o amasse? Cristo nosso Senhor veio encontrar todos os homens, não somente maus, mas mortos por causa do pecado original; e contudo, «amou-nos e entregou-Se a Si mesmo por nós» (Ef 5,2). Deste modo, amou também aqueles que não O amavam, como observa o apóstolo Paulo: «Cristo morreu pelos culpados» (Rom 5,6); e, na sua misericórdia inexprimível, deu este exemplo a todo o género humano, dizendo: «Aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração» (Mt 11,29). 
 
 
Fonte: Evangelho Quotidiano

Comentário ao Evangelho do dia (14/03) feito por São Cesário de Arles



(470-543), monge, bispo
Sermões ao povo, nº 25; SC 243


«Vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão»

 
Há uma misericórdia no céu à qual se chega através da misericórdia na terra. […] E há dois tipos de esmola: uma é boa e a outra melhor. Uma consiste em dar pão aos pobres; a outra, em perdoar imediatamente ao teu irmão que pecou contra ti. Com a ajuda do Senhor, apressemo-nos a praticar estes dois tipos de esmola, para podermos receber o perdão eterno e a verdadeira misericórdia de Cristo. Pois Ele mesmo disse: «Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas.» (Mt 6,14ss). E o Espírito Santo então clama: «Um homem guarda rancor contra outro homem e pede a Deus que o cure? Não tem compaixão pelo seu semelhante e pede o perdão dos seus pecados?» (cf Sir 28,3ss). […]

Apressemo-nos, enquanto pudermos e enquanto vivermos, a praticar esses dois tipos de esmola e a distribuí-la aos outros. Assim, no dia do nosso julgamento, poderemos dizer com confiança: «Dá-nos, Senhor, porque nós demos.» 
 
 
Fonte: Evangelho Quotidiano

Comentário ao Evangelho do dia (13/03) feito por Santo Agostinho



(354-430), bispo de Hipona (Norte de África), doutor da Igreja
Comentários sobre os Salmos: Salmo 37 (Ofício de Leitura de 6ª feira da 3ª semana do Advento)


«Pedi, e ser-vos-á dado»

 
Escuta o que diz [o Salmista]: «Diante de Vós, Senhor, estão os meus desejos» (Sl 37,10). Não estão diante dos homens, que não podem ver o coração, mas «diante de Vós, Senhor». […] Esteja o teu desejo sempre na sua presença; e o Pai, «que vê o [que está] oculto, há-de retribuir-te» (Mt 6,4). Porque o teu desejo é a tua oração. Se o teu desejo for contínuo, contínua será também a tua oração. Não foi em vão que disse o Apóstolo: «Orai sem cessar» (1Tess 5,17). Será preciso, então, estar continuamente de joelhos, prostrados, de mãos erguidas, para obedecer a este preceito: «orai sem cessar»? Se é isso que entendemos por orar, julgo que não podemos orar sem cessar.

Existe, porém, outra oração interior e contínua, que é o desejo. Nem que estejas ocupado a fazer outra coisa, se desejas o descanso eterno em Deus, não interrompes a oração. Se não queres interromper a oração, não interrompas o desejo. Se o teu desejo é contínuo, é contínua a tua voz. Calar-te-ás se deixares de amar. Quem é que se cala? Aqueles de quem foi dito: «Pela abundância da iniquidade resfriará o amor de muitos» (Mt 24,12). A frieza do amor é a mudez do coração, mas o fervor do amor é o clamor do coração. Se o amor permanece sempre (cf 1Cor 13,8), clamas sempre; se clamas sempre, desejas sempre; se desejas, recordas-te daquele descanso.

«Diante de Vós, Senhor, estão os meus desejos […] e não Vos são ocultos os meus gemidos» (Sl 37,10). […] A verdade é que, se permanece o desejo, permanece também o gemido. Nem sempre ele chega aos ouvidos dos homens, mas nunca deixa de chegar aos ouvidos de Deus. 
 
 
Fonte: Evangelho Quotidiano

Comentário ao Evangelho do dia (11/03) feito por São Cipriano



(c. 200-258), bispo de Cartago e mártir
A Oração Dominical, 11-12 (trad. Breviário)


«Santificado seja o teu nome»

 
Caríssimos irmãos, devemos lembrar-nos e saber que, chamando a Deus nosso Pai, devemos proceder como filhos de Deus. […] Vivamos como templos de Deus, de modo que a nossa vida seja um testemunho da presença de Deus em nós. Não sejam indignas do Espírito as nossas acções. […] O santo apóstolo escreveu na sua epístola: «Não vos pertenceis a vós mesmos, porque fostes comprados por grande preço. Glorificai a Deus no vosso corpo» (1Cor 6,19).

Dizemos: «Santificado seja o vosso nome», não para exprimir o desejo de que Deus seja santificado com as nossas orações, mas para pedirmos ao Senhor que o seu nome seja santificado em nós. Aliás, por quem poderá Deus ser santificado, se é Ele próprio quem santifica? Mas, porque Ele disse: «Sede santos, porque Eu sou santo» (Lv 20,26), pedimos e rogamos para que, uma vez santificados no baptismo, perseveremos no que principiámos a ser. E isto pedimo-lo todos os dias. 
 
 
Fonte: Evangelho Quotidiano

Comentário ao Evangelho do dia (10/03) feito por São Cesário de Arles



(470-543), monge, bispo
Sermões ao povo, n° 24; SC 243


«A Mim mesmo o fizestes»

 
Reflecti, meus irmãos, e vede o exemplo de Nosso Senhor, que fez de nós Viajantes e nos ordenou que chegássemos à cidade celeste (Heb 11,13ss) trilhando o caminho da caridade. […] Embora esteja no céu, por compaixão pelos seus membros que sofrem, pois Ele é a cabeça dos membros e do corpo do mundo inteiro (Col 2,19), disse: «Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a Mim que o deixastes de fazer.» […] Quando Ele transformou Paulo, o perseguidor, em pregador, disse-lhe do alto do céu: «Saulo, Saulo, porque Me persegues?» (Act 9,4). […] Saulo perseguia os cristãos; perseguiria Cristo, que estava no céu? Mas Cristo estava nos cristãos, sofrendo com todos os seus membros, para que esta palavra fosse verdadeira nele: «Quando um membro sofre, todos os membros sofrem com ele» (1Cor 12,26). […]

Suportemos, pois, os fardos uns dos outros (Gal 6,2); os outros membros estão destinados a seguir a cabeça. […] Se o nosso Senhor e Salvador, que não teve pecado, Se digna amar-nos, a nós pecadores, com uma afeição tão grande que afirma sofrer o que nós sofremos, porque é que nós, que somos pecadores e podemos resgatar os nossos pecados através da caridade, não nos amamos com um amor tão perfeito que partilhemos, por caridade, todo o mal que é suportado por um de nós? […] Uma mão ou qualquer outro membro cortado do corpo já não sente nada; assim é o cristão que não sofre com a infelicidade, o infortúnio ou mesmo a morte de outro. 
 
 
Fonte: Evangelho Quotidiano

Comentário ao Evangelho do dia (09/03) feito por São Gregório Magno



(c. 540-604), papa, doutor da Igreja

Homilias sobre o Evangelho, n°16


«De facto, tal como pela desobediência de um só homem todos se tornaram pecadores, assim também pela obediência de um só todos se hão-de tornar justos» (Rom 5,19)

 
Analisando o desenvolvimento das tentações do Senhor, conseguimos compreender quão grandiosamente fomos libertados da tentação. O inimigo das origens levantou-se contra o primeiro homem, nosso antepassado, com três tentações: tentou-o pela gula, pela vanglória e pela avareza […]. Pela gula, mostrou-lhe o fruto proibido da árvore e persuadiu-o a comê-lo. Tentou-o pela vanglória, dizendo-lhe: «Sereis como Deus» (Gn 3,5). E tentou-o ainda pela avareza, dizendo-lhe: «Conhecereis o bem e o mal». Com efeito, a avareza não tem por objecto apenas o dinheiro, mas também as honras […].

Mas quando tentou o segundo Adão (1Cor 15,47), os próprios meios que lhe tinham servido para derrubar o primeiro homem venceram o diabo. Tenta-O pela gula, ao pedir-Lhe: «Ordena que estas pedras se transformem em pães»; tenta-O pela vanglória, ao dizer-Lhe: «Se és o Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo»; tenta-O pelo desejo ávido de honrarias quando, mostrando-Lhe todos os reinos do mundo, declara: «Tudo isto Te darei se, aos meus pés, me adorares» […]. Tendo desta forma aprisionado o diabo, o segundo Adão expulsa-o dos nossos corações pela mesma via por que lhe havia permitido neles entrar e tê-los em seu poder.

Uma outra coisa temos ainda de considerar relativamente às tentações do Senhor […]: Ele podia ter precipitado o tentador no abismo, mas não manifestou o seu poder pessoal; limitou-Se a responder ao diabo com preceitos da Sagrada Escritura. Fê-lo para nos dar exemplo de paciência, e para nos convidar a recorrer mais ao ensino do que à vingança. […] Vede bem a paciência de Deus, e a nossa impaciência! Nós deixamo-nos levar pela fúria quando a injustiça ou a ofensa nos atingem […]; o Senhor suportou a hostilidade do diabo, mas foi com palavras suaves que lhe respondeu. 
 
 
Fonte: Evangelho Quotidiano

sábado, 22 de março de 2014

Maria Santíssima, modelo de amor para com Deus - Santo Afonso Maria de Ligório


Ego Mater pulchrae dilectionis — “Eu sou a Mãe do belo amor” (Ecclus. 24, 24).

Sumário. O fogo de amor em que ardia o Coração da Santíssima Virgem foi tão veemente, que ela não repetia os atos de amor, como fazem os outros santos, mas por um privilégio singular amou a Deus sempre atualmente com um contínuo ato de amor. Mas se Maria amou e ama tanto a seu Deus, certamente ela não exige outra coisa de seus devotos, senão que O amem também. Como é que tu O amas? Se por ventura te sentes frio, chega-te com confiança a tua amada Mãe e roga-lhe que te faça seu semelhante.

I. Deus, que é amor, veio ao mundo para acender em todos a chama do seu divino amor; mas nenhum coração ficou tão abrasado como o Coração de sua Mãe, o qual, sendo todo puro dos afetos terrenos, estava todo disposto para arder neste santo fogo. Por isso o Coração de Maria se tornou todo fogo e chamas, como se lê nos Cânticos sagrados: Lampades eius, lampades ignis atque flammarum (1)? “As suas lâmpadas são umas lâmpadas de fogo e de chamas”. Fogo, ardendo interiormente, como explica Santo Anselmo, e chamas resplandecendo para fora com o exercício das virtudes.

Revelou a própria Maria a Santa Brígida, que neste mundo ela não teve outro pensamento, outro desejo, nem outro gosto senão Deus. Eis porque a sua alma bendita absorta sempre nesta terra na contemplação de Deus, fazia inúmeros atos de amor. Ou, para melhor dizer, como escreve Bernardino de Bustis, Maria não multiplicava os atos de amor, como fazem os outros santos; mas, por um privilégio singular, ela amou a Deus atualmente com um contínuo ato de amor. Qual águia real sempre tinha os olhos fixos no divino Sol, de maneira (diz São Pedro Damião) que nem as ações da vida lhe impediam o amor, nem o amor lhe impedia a ação.

Acrescentam Santo Ambrósio, São Bernardino e outros, que nem mesmo o sono interrompia o ato de amor da Santíssima Virgem; de modo que podia verdadeiramente dizer com a sagrada Esposa: Ego dormio, et cor meum vigilat (2)? “Eu durmo e o meu coração vela”. Foi figura de Maria o altar propiciatório, no qual nunca se extinguia o fogo, nem de dia, nem de noite. Numa palavra, afirma o Bem-aventurado Alberto Magno que Maria foi cheia de tão grande amor, que quase não podia caber mais amor numa pura criatura terrestre. Os próprios serafins podiam descer do céu, para aprenderem no Coração de Maria como se deve amar a Deus. No reino celeste ela só, entre todos os santos, pode dizer a Deus: Senhor, se não Vos amei quanto mereceis, ao menos amei-Vos quanto me foi possível.

II. Já que Maria ama tanto a seu Deus, não há certamente coisa alguma que ela exija tanto de seus devotos como que O amem igualmente. É o que a divina Mãe disse à Bem-aventurada Ângela de Foligno, num dia em que esta tinha comungado; é o que ela disse também a Santa Brígida: “Filha, se queres cativar o meu amor, ama o meu Filho”.

Pergunta Novarino, porque a Santa Virgem, à imitação da Esposa dos Cantares, rogava aos anjos que fizessem saber ao seu Senhor o grande amor que lhe consagrava, dizendo: Adiuro-vos… ut nuntietis ei, quia amore langueo (3)? “Eu vos conjuro… que lhe façais saber que estou enferma de amor”. Por ventura não sabia Deus quanto ela O amava? Com certeza sabia-o, responde o autor sobredito, que a Virgem quis fazer patente a nós o seu amor; a fim de que, assim como ela estava ferida de amor, nos infligisse a mesma ferida: Ut vulnerata vulneret. Porque foi toda fogo em amar a Deus, por isso, como diz São Boaventura, abrasa e torna seus semelhantes todos os que a amam e a ela se avizinham. Pelo que Santa Catarina de Sena chamava a Maria Santíssima portatrix ignis: a portadora do fogo do amor divino. Se queremos também arder nesta beata chama, procuremos sempre avizinhar-nos à nossa Mãe santíssima com súplicas e afetos.

Ah, Rainha do amor, Maria! Sois vós, no dizer de São Francisco de Sales, a mais amável, a mais amada e a mais amante de todas as criaturas. Ah, minha Mãe! Vós que ardestes sempre e toda em amor a Deus, dignai-vos dar-me ao menos uma faísca desse amor. Rogastes a vosso Filho por aqueles esposos aos quais faltava o vinho: Vinum non habent (4)? “Eles não têm vinho”: não rogareis por nós a quem falta o amor a Deus, ao qual temos tanta obrigação de amar? Dizei somente: Amorem non habent? “Eles não têm amor”, e alcançar-nos-eis o amor. Outra graça não vos pedimos senão esta. Ó minha Mãe! Porquanto amais a Jesus, atendei-nos, rogai por nós. (*I 258.)
--------
1. Cant 8, 6.
2. Cant 5, 2.
3. Cant 5, 8.
4. Io 2, 3.


(Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 332-334.)

Fonte: Blog São Pio V

sexta-feira, 21 de março de 2014

Santo Antão - A Obra que agrada a Deus



A OBRA QUE AGRADA A DEUS
- Sentença dos escritos de Santo Antão -


A obra pela qual o homem pode agradar a Deus é a lei e a obra da caridade.

Ela é a boa vontade, que perfeitissimamente agrada a Deus.

Cumpre-a aquele que incessantemente louva a Deus com pensamentos puros, que produzem a memória de Deus e a memória dos bens que Ele nos prometeu, e que em nós cumpriu por obras, e de sua grandeza. Da memória destas coisas se origina no homem aquele amor perpétuo que nos foi prescrito:
"Amarás o Senhor teu Deus 
de todo o teu coração, 
de toda a tua alma, 
e com toda a tua força".

Está também escrito:

"Como a corça que suspira pelas águas da torrente, 
assim minha alma suspira por vós, ó Senhor".

Assim é necessário que cumpramos para com o Senhor esta obra e esta lei, para que em nós se cumpra aquela sentença do Apóstolo:
"Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? 
Certamente nem as tribulações, 
nem as tristezas, nem a fome, 
nem a nudez, nem as angústias, 
nem a espada, nem o fogo".


Santo Antão


Fonte: Cristianismo.org

sábado, 15 de março de 2014

São Pedro de São José Betancur - Avisos ascético-espirituais




São Pedro de São José Betancur

AVISOS ASCÉTICO-ESPIRITUAIS


Recordações de alguns conselhos espirituais

do irmão Dom Gregório para aproveitá-los

no transcurso da vida humana.


"São os escritos, parábolas, sentenças e reflexões,

com que o irmão Pedro costumava dirigir-se

aos seus irmãos e às pessoas em geral,

para animá-los no caminho espiritual

e advertí-los sobre os perigos do mundo".


1.Conselhos diversos.

Quando sofremos alguma aflição, temos que entender que isto é parte da cruz de Cristo e que, por meio do sofrimento, podemos beijar esta cruz.

Quando fizermos alguma coisa, temos que refletir sobre ela, para que possamos compreender o motivo pela qual a fazemos, se é para agradar a Deus ou para estar bem com os demais, porque o demônio costuma servir-se da vaidade. Assim, pois, sempre devemos examinar a razão de nossa conduta, considerar a boa intenção, e fazê-lo tudo para a honra a e glória de Deus.

Cada qual deve perguntar-se a si mesmo: com que finalidade faço isto? Para honra e glória de Deis ou para adquirir com isso a fama que o mundo aprecia? Porque se o fazes com outra finalidade que não seja a glória de Deus, estás perdido.

Consideremos sempre a boa intenção, porque a cada momento caímos no erro de não nos fixarmos na boa intenção do que fazemos ou dizemos. Portanto, abramos os sentidos, estejamos alertas, porque no Dia do Juízo se verão as intenções e o dano que a vanglória nos terá causado.

Se presumes ser servo de Deus e desejas padecer por Cristo, mas quando te dizem coisas duras e ofensivas te irritas e incomodas, e interiormente te sentes de tal forma que pareces ter uma legião de demônios, adverte pois que esta é a escola de Deus onde os humildes aprendem.

Mesmo que te digam o que quiserem, nunca te queixes a ninguém, senão a Deus.

Quando pensas que és algo, tem por certo que não és nada; e quando pensas que não és nada, tem por certo que és algo.

Na oração mental é um atrevimentro meditar de imediato na Santíssima Trindade, em vez de prostarmo-nos aos pés de Cristo e suas sacratíssimas chagas, porque elas nos ensinarão como e de que maneira é este tão grande mistério, e nos farão meditar sempre com humildade nas chagas de Cristo.

Examina sempre se te motiva algum amor própio, porque o amor deve-se por somente em Jesus Cristo e não em coisas terrenas e que hão de perecer.

Que se faça em tudo a vontade de Deus, mesmo que nos coloquem onde quiserem, porque mesmo que nos tirem a nossa vontade, não nos podem tirar a Deus.

Tenhamos sempre a devoção de encomendar a Deus aqueles que nos ofendem por palavra ou por obra. Quem isto fizer, cumpre com o Evangelho de Deus.

Se por acaso nos sentirmos tristes, examinemo-nos e vejamos de onde procede a tristeza; porque o demônio costuma dar peso muito grande com coisa muito leve.

Devem-se ter muito presente os mandamentos da Lei de Deus, para examinar se O ofendemos, e se assim for, deve-se recorrer logo à confissão. Se não houver nada em que tenhamos ofendido a Deus, atiremos todas as demais preocupações a um fogo, e isto à face do demônio, e dediquemo-nos a servir a Deus com alegria.

Procuremos sempre o mais baixo lugar e assento, e humilhemo-nos em tudo por Deus.

Eis aqui um argumento contra o demônio. Quando o demônio nos disser que não façamos esforços para servir a Deus, digamos-lhe que assim como ele, com grande esforço, quis ser soberbo e o foi, e conseguiu colocar-se em lugar tão alto, assim também, com grande esforço o servo de Deus deve procurar abater-se entre todos, e que o tenham em nada, por amor de Deus.

Muitas vezes inspira Deus a seus servos para que façam em público algumas devoções, e as fazem porque sabem a quem servem; porém são objeto de murmurações por parte de pessoas que não conhecem ao Senhor, e que não tem espírito de Deus. Observa, servo de Deus, se sentes que não há vaidade, que não te importem as murmurações: dá bom exemplo e serve ao Senhor, pois serves a bom Senhor.

Alegra-te sempre com a cruz de Cristo; todo o desejo do servo de Deus deve ser seguir a Cristo; este é o verdadeiro desejo do servo de Deus.

Duas coisas deve ter o servo de Deus, e se não as tem, deve trabalhar muito para alcançá-las, e elas são: não obedecer em nada à própria vontade; ao contrário, fazer antes a vontade do outro que a sua; não ter cobiça de nada, nem mesmo em coisas muito pequenas, porque do pequeno se passa sempre ao maior. No fim, em tudo se começa por pouco, e o demônio é sutil.

Todas as honras e favores que nos podem dar e fazer nesta vida têm tão pouco valor, que não merecem estar nem sequer debaixo dos pés. Pelo contrário, todas as afrontas, opróbios e desprezos que soframos por Cristo, ainda que os tratemos como às meninas dos olhos, não têm o lugar que merecem.

O servo de Deus deve exercitar-se em considerar as dores que padeceu Cristo naquelas carnas sacrossantas; as penas interiores que padeceu Cristo em sua allma; as afrontas que padeceu em sua honrfa. A maneira de exercitar estas coisas consiste em dizer, quando padeçamos dores no corpo: quero padecer estas dores em satisfação de meus pecados. Se são penas interiores digamos: penas de Cristo, vos ofereço as minhas. Se são ofensas que ferem nossa honra, dizer: afrontas de Cristo, por vós as padeço.

Persuade-te, homem, que não há mais do que duas coisas boas, que são: Deus e a alma, e se o quiseres ver bem, pensa e traze à memória todo o criado, e examina cada coisa em si mesma, e verás como tudo é nada. Fixa-te cuidadosamente na terra, no mar, na prata, no ouro, em toda criatura na terra e no mar, e verás, segundo te disse, como tudo é nada. E assim, posto que tudo é nada, há que estimar-se tudo como nada, e buscar a Deus, que o é tudo, e assim acertarás. Vá a alma a Deus, e venha Deus à alma, pois Ele a criou capaz de fruí-lo.

2. Proveitos para os que assistem Missa.

Vejamos o que dizem os doutores cujos escritos foram achados no Sagrado Convento de Ara Coeli em Roma.

Afirma São Bernardo que se o homem andasse peregrinando por todo o mundo por amor de Deus e desse todo o seu dinheiro em esmola, não ganharia tanto bem para a sua alma como pela missa ouvida devotamente, isto é, estando em graça.

Assevera São Jerônimo que, enquanto a missa se celebra, aquelas almas pelas quais se oficia, se estiverem no Purgatório, não são atormentadas durante o tempo em que dura a celebração.

Diz Santo Ambrosio que qualquer coisa que o homem comesse depois de ouvir missa, lhe aproveitará para sustento de sua vida mais que se a comesse antes de ouvir missa.

Afirma Santo Agostinho que o homem, enquanto ouve missa, não envelhece nem enfraquece, assim como Adão não haveria adoecido, nem a vida se lhe terminaria, se não tivesse comido do fruto da árvore da vida.

Acrescenta o mesmo santo que o pecador que devotamente está na missa, se aquele dia morresse tendo-se arrependido sinceramente de seus pecados, mesmo que não recebesse os demais sacramentos da Igreja, a missa lhe valeria por todos eles.

Também segundo Santo Agostinho, todos os passos que o homem dá quando vai ouvir missa, os conta e os escreve o Anjo da Guarda para que o Senhor lhe dê um grande prêmio. Diz o mesmo doutor que durante aquela hora que se emprega em visitar e adorar o Sagrado Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, o demônio sai do corpo.

3. A moradia cristã.

Deve seguir os exemplos de Marta e de Maria, que são exemplos de vida ativa e contemplativa. O que for como Marta, isto é, tão ativo, que não se lembrar de Maria, isto é, do contemplativo, vai perdido; e o que for tão Maria, isto é, tão contemplativo que não se lembrar de Marta, vive enganado.

4. O caminho do céu. Meios proveitosos para o caminho do céu.

A mortificação interior e exterior.


Não está a mortificação no exterior, mas no operar com boa intenção. Vejam, meus irmãozinhos, é preciso cuidar muito da intenção com que realizamos alguns atos de caridade. Porque pode haver muito mal no que a todos parece bom. Como digo, tendo boa intenção, nenhum erro se pode cometer.

5. Sobre o Natal.

Irmãos, quando chegar [o Natal], percam o juízo pelo Menino Jesus. Sejam humildes e não desejem mandar.

6. Sobre a humildade.

A. Devemos ser a vassoura do povo, porque temos que andar sentindo-nos debaixo de todos, sem vaidade ou orgulho. Ao ver um índio que leva sua carga, se esta for demasiada, devemos ajudá-lo a levá-la.

Alternando-se por semanas, dois irmãos devem ir às obras para ajudar a terminar sua tarefa aos trabalhadores que trabalham forçados e não por sua livre vontade.

E para ensinar a nos desprender das coisas deste mundo e a aborrecer as culpas passadas, para que não se nos agarre o pó da mundanidade que busca entrar em nós, temos que estar como no ar, como um pássaro que, desde a altura, olha para baixo.

B. Ser humildes por Cristo é caminho seguro de salvação, a tal ponto que eu me sentiria satisfeito e agradecido de que em público me dessem duzentos açoites.

C. Sejam humildes por Cristo, o que é seguro. Me alegraria e fariam um grande favor se me dessem açoites pelas ruas desta cidade.

7. Negação de si mesmo.

Alguns começam a servir a Deus com grandes ânsias, e para isto abandonam pais, amigos, casas, dinheiro e demais comodidades; porém, por sua miséria espiritual e sua fraqueza, apesar de terem deixado tudo isto, são estorvados por algumas coisinhas e aflições que os impedem do verdadeiro aproveitamento e perfeição. É como alguém que sai com grande determinação para fazer uma grande viagem, e depois de muitos dias passa outra pessoa por ali e o encontra no princípio do caminho, detido porque uma corda do sapato se enrolou em um raminho, e está tão cego que não se dá conta daquele impedimento. Ou, se o vê, não tem força ou determinação para desamarrar a corda ou cortar o ramo. Então, impedido de findar a jornada, fica assim, e mesmo depois de ter desatado a corda, volta a enredar-se com coisas muito pequenas, que para si parecem montanhas de dificuldades.

E assim, se queremos chegar à perfeição, temos que romper com tudo, cortando os laços que nos unem com o mundo, ainda que nos doa muito, e isto se faz melhor se nos aconselhamos uns aos outros.

Se eu encontrasse em meus irmãos de comunidade esta disposição de ânimo, lhes diria que ganharam muitos méritos e coroas; porém me preocupo quando ouço que alguém perdeu o domínio de si mesmo; que se nega totalmente quando tratam de ajudá-lo; que, ao buscá-lo, o encontram fechado na cela de sua própria vontade, não somente sentado, mas deitado, e mais ainda, envolto em suas próprias paixões, sendo que eu esperava encontrá-lo livre, fora já da prisão de seu egoísmo.

8. Andar na presença de Deus.

Procuremos fabricar no interior de nossa alma uma ermida ou capela espiritual, onde sempre estejamos com recolhimento. Um lugar que nos sirva de refúgio, assim como quando, estando na rua, se alguém vê que um touro o persegue, se mete em sua casa e fecha as portas, e assim escapa do perigo e fica seguro. Graças a este gênero de recolhimento, estaremos alertas para conhecer as tentações quando se lançam sobre nós, e logo, como em um porto seguro, entraremos na capela da alma para pedir socorro a Deus, fechando as portas ao entrar. Estas, e as demais partes da capela espiritual, devem ser fabricadas por meio daquelas virtudes que permitem resistir aos ataques da tentação. Esta capela serve para comungar espiritualmente, e para ver, graças à meditação, os santos apóstolos e a Virgem Santíssima, todos com velas acesas nas mãos.

9. Guarda dos sentidos.

A alma é como uma jovem muito bela, filha de um homem pobre, que a mantinha em uma casa com muitas portas, porque não havia quem dela cuidasse, a não ser ele mesmo. Pois bem, a filha é a alma, a casa é o corpo, e os sentidos são as portas. Para vigiar e conservar bem a esta filha temos que ter presentes os dez mandamentos, mas também os sete pecados mortais e todas as demais coisas que podem ser instrumento ou causa de pecado. Assim pois, o homem deve estar muito vigilante, e utilizar os remédios para guardar a alma em meio a tantos riscos, recorrendo à oração como principal guarda das portas da alma. Mesmo assim, é necessário examinar todas as nossas ações e ver que virtudes nos são necessárias para guardar estas portas.

10. Sobre a paciência.

Não acreditemos no demônio quando nos move a nos ressentirmos por isto ou aquilo, e perder a paciência. Antes, devemos resistir-lhe, porque muitos se perdem por não exercitarem a virtude da paciência.

11. Sobre a oração.

Feliz é a alma que acompanha sua oração com estas quatro virtudes: confiança, humildade, perseverança e mortificação de seus apetites, porque sempre alcançará do Senhor o que lhe pedir e o encontrará todas as vezes que o busque.

12. Sobre a mortificação.

Vale mais uma pequena cruz, uma dorzinha, uma pena, angústia ou enfermidade enviada por Deus, que os jejuns, disciplinas, cilícios, penitências e mortificações que nós fazemos, se estas penas forem levadas por Deus. Porque aquilo que nós fazemos ou decidimos por nossa única vontade, está envolvido nosso próprio querer, por mais que procuremos afastá-lo da escória no crisol da vontade do pai espiritual que nos aconselha. Porém naquilo que Deus nos envia, se o aceitamos como vindo de sua mão, com resignação e humildade, não querendo outra coisa que o que Deus quer, aí está a vontade de Deus, e em nossa conformidade com ela está nosso êxito e nosso lucro, como em uma riquíssima feira em que recebemos ouro de muitos quilates dando em troca nossas bugigangas e bagatelas. E se nossa pobre mercadoria traz a traça do amor próprio, Deus, que conhece e penetra tudo, em sua misericórdia saberá dar a cada coisa o seu justo valor.

13. Bênçãos.

A. Com toda a humildade de que sou capaz, em nome da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, eu, ainda que indigno pecador, te abençoo. Que Deus te torne humilde.

B. Em nome da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, ainda que indigno pecador, vos abençoo, meus irmãos, no que possa, e que Deus vos torne humildes.


Fonte: Cristianismo.org.br

sexta-feira, 14 de março de 2014

Oh formosura que excedeis! - Poema de Santa Teresa D'Ávila


Oh formosura que excedeis!
Santa Teresa D'Ávila

Formosura que excedeis
mesmo as grandes formosuras!
Sem ferir, sofrer fazeis,
e sem sofrer desfazeis
o amor das criaturas.

Oh, laço que assim juntais
duas coisas díspares!,
não sei porquê vos soltais,
pois atando força dais
pra ter por bem os pesares.

Quem não tem ser vós juntais
com o Ser que não se acaba;
sem acabar, acabais,
e sem ter que amar amais,
engradeceis o nosso nada.


Fonte : Bicho de Seda

quinta-feira, 13 de março de 2014

Comentário ao Evangelho do dia (02/03) feito por São João Crisóstomo



(c. 345-407), presbítero de Antioquia, bispo de Constantinopla, doutor da Igreja
Catequeses baptismais, n° 8, 19-25; SC 50


«Porventura não é a vida mais do que o alimento?»


Se dermos realmente o primeiro lugar às realidades espirituais, não teremos de nos preocupar com os bens materiais, pois Deus, na sua bondade, no-los dará em abundância. Se, pelo contrário, nos preocupamos unicamente com os nossos interesses materiais sem cuidarmos da nossa vida espiritual, a preocupação constante com os assuntos terrenos conduzir-nos-á à negligência da nossa alma. […] Não troquemos portanto a ordem das coisas. Conhecendo a bondade do nosso Senhor, confiar-Lhe-emos tudo e não nos deixaremos vencer pelas preocupações desta vida. […] «O vosso Pai Celeste bem sabe que tendes necessidade de tudo isto, mesmo antes que Lho tenhais pedido» (Mt 6,32.8).

Jesus quer que estejamos livres das preocupações deste mundo e que nos consagremos totalmente às obras espirituais. «Procurai pois, diz-nos Ele, os bens espirituais e Eu próprio zelarei amplamente por todas as vossas necessidades materiais. […] Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as» Dito de outra forma: «Se Eu tomo conta das aves do céu, que são irracionais, e lhes proporciono tudo aquilo de que elas necessitam, sem sementeiras nem trabalhos, tanto melhor o farei por vós, que sois dotados da razão, desde que escolhais preferir o espiritual ao corporal. Vendo que as criei para vós, tal como a todos os outros seres, dos quais tanto cuido, de que solicitude não vos julgarei dignos, vós para quem fiz tudo isto?»


Fonte: Evangelho Quotidiano

terça-feira, 11 de março de 2014

A importância da meditação da Paixão de Cristo



       Aquele que deseja avançar de virtude em virtude, de graça em graça, deve meditar continuamente na Paixão de Jesus...

         Não há prática mais proveitosa para a inteira santificação da alma do que a freqüente meditacão nos sofrimentos de Jesus Cristo.
 

São Boaventura

segunda-feira, 10 de março de 2014

São Pedro de Alcântara - Avisos para o Exercício da Meditação



São Pedro de Alcântara
AVISOS PARA O EXERCÍCIO DA MEDITAÇÃO
 

1. Introdução

Tudo o que até aqui dissemos serviu para oferecer matéria de consideração para os que aprendem a meditar, o que é uma das principais partes deste tema. De fato, poucas pessoas possuem suficiente material para reflexão na meditação e, deste modo, por falta dele, não são poucos os que não conseguem dar-se a esta prática.

Agora, porém, resta declarar abreviadamente a maneira e a forma pelas quais pode-se meditar. E. mesmo que nesta matéria o principal Mestre seja o Espírito Santo, todavia a experiência nos mostrou que são necessários alguns avisos, porque o caminho para ir a Deus é árduo e necessita de guia, sem o que muitos andam muito tempo perdidos e desencaminhados.

2. Primeiro Aviso

Seja, pois, este o primeiro aviso: que quando nos pomos a considerar algumas das coisas que já mencionamos como matéria de meditação em seus devidos tempos e exercícios, não devemos estar tão presos a estas matérias que consideremos como serviço mal feito deixarmos uma para tomarmos outra, quando nisto encontrarmos maior gosto ou maior proveito, porque, como a finalidade de tudo é a devoção, o que mais servir para este fim, será isto que se deve considerar como sendo o melhor. Porém isto não se deve fazer por motivos levianos, mas com vantagem conhecida. Sendo assim, se em alguma passagem de sua oração sentirmos maior gosto ou devoção do que em outro, detenhamo-nos nele por todo o espaço de tempo em que dure este afeto, mesmo que todo o tempo do recolhimento se gaste nisto. Porque, como o fim de tudo isto é a devoção, conforme já o explicamos, seria um erro buscar em outra parte, com esperança duvidosa, o que já temos como certo em nossas mãos.

 3. Segundo Aviso

Seja o segundo aviso que trabalhe o homem para desculpar neste exercício a demasiada especulação do entendimento, e procure deixar este negócio mais com afetos e sentimentos da vontade que com discursos e especulações do entendimento.

Porque sem dúvida não acertam este caminho aqueles que de tal maneira se põe na oração a meditar os Mistérios Divinos como se os estivessem estudando para pregar, o que seria mais derramar o espírito do que recolhê-lo e seria mais andar fora de si do que dentro de si. De onde nasce que, acabada a sua oração, ficam secos e sem suco de devoção, e tão fáceis e prontos para qualquer leviandade como o estavam antes. Porque a verdade é que tais pessoas de fato não oraram, mas falaram e estudaram, o que é coisa bem diversa da oração. Estes tais deveriam considerar que no exercício da oração mais nos aproximamos para escutar do que para falar. Para acertar, portanto, neste negócio, aproxime-se o homem com o coração de uma velhinha ignorante e humilde, e mais com a vontade disposta e aparelhada para sentir e afeiçoar-se às coisas de Deus do que com o entendimento esperto e atento para esquadrinhá-las, pois isto é próprio dos que estudam para saber, e não dos que oram e pensam em Deus para chorar.

4. Terceiro Aviso

O aviso anterior nos ensina como devemos sossegar o entendimento e entregar todo este negócio à vontade; mas o presente põe também sua taxa e medida à própria vontade, para que não seja excessiva nem veemente em seu exercício, para o qual deve-se saber que a devoção que pretendemos alcanças não é coisa que se há de alcançar à força de braços, como alguns pensam, os quais, com demasiado afinco e tristezas forçadas e como que por encantamentos procuram alcançar lágrimas e compaixão quando pensam na Paixão do Salvador, porque isto costuma mais secar o coração e torná-lo mais inábil para a visitação do Senhor, conforme ensina Cassiano. E ademais estas coisas costumam causar dano à saúde corporal, e às vezes deixam a alma tão atemorizada com o sensabor que ali alcançou, que teme retomar outra vez ao exercício como a algo que experimentou ter-lhe dado muita pena. Contente-se, pois, o homem com fazer de boa vontade o que é de sua parte, que é encontrar-se presente ao que o Senhor padeceu, admirando com olhar simples e sossegado e com um coração terno e compassivo e aparelhado para qualquer sentimento que o Senhor lhe quiser conceder pelo que Ele padeceu, mais disposto para receber o efeito que sua misericórdia lhe conceder do que para expressá-lo à força de braços. E, feito isso, não se aflija pelo restante, quando não lhe for dado.

 5. Quarto Aviso

De tudo quanto foi dito podemos concluir qual é o modo da atenção que devemos ter na oração, porque aqui principalmente convém ter o coração não caído nem frouxo, mas vivo, atento e erguido para o alto. Mas assim como é necessário estar aqui com esta atenção regrada e moderada, para que não seja danosa à saúde nem impeça a devoção, porque há alguns que fatigam a cabeça com a demasiada força que empregam para estarem atentos ao que pensam, conforme já dissemos, assim também há outros que, para fugirem deste inconveniente, estão ali muito frouxos e remissos e muito fáceis de serem levados por todos os ventos. Para fugir destes extremos convém conduzir um meio termo que nem com a demasiada atenção fatiguemos a cabeça, nem com o muito descuido e frouxidão fiquemos vagando com o pensamento por onde ele bem entenda. De modo que, assim como costumamos dizer ao homem que caminha sobre uma besta maliciosa que mantenha as rédeas firmes, isto é, nem muito apertada nem muito frouxa, para que nem volte para trás, nem caminhe com perigo, assim devemos procurar que nossa atenção siga com moderação e não forçada, com cuidado mas não com fadiga e aflição.

Mas particularmente convém avisar que no princípio da meditação não fatiguemos a atenção com demasiada atenção, porque quando isto se faz, mais adiante costumam faltar as forças, como faltam ao caminhante quando no princípio da jornada se entrega a uma demasiada pressa para caminhar.

 6. Quinto Aviso

Mas entre todos estes avisos o principal é que não desanime aquele que ora, nem desista de seu exercício quando não sente imediatamente aquela suavidade da devoção que ele deseja. É necessário que com longanimidade e perseverança esperar a vinda do Senhor, porque à glória de Sua Majestade e à baixeza de nossa condição e à grandeza do negócio que tratamos pertence que estejamos muitas vezes esperando e aguardando às portas de seu palácio sagrado.

Pois quando desta maneira tenhas aguardado um pouco de tempo, se o Senhor vier, dá-lhe graças por sua vinda e, se te parecer que não vem, humilha-te diante dEle, e conhece que não mereces o que não te deram, e contenta-te com ter feito ali o sacrifício de ti mesmo e negado a tua própria vontade e crucificado o teu apetite e lutado com o demônio e contigo mesmo, e feito pelo menos o que era de tua parte. E se não adoraste o Senhor com a adoração sensível que desejavas, basta que o tenhas adorado em espírito e em verdade, como Ele quer ser adorado (Jo. 4, 23). E creia-me, com certeza, que este é o caso mais perigoso desta navegação e o lugar onde se provam os verdadeiros devotos, e que se dele te saires bem, em tudo o demais seguirás prosperamente.

Finalmente, se mesmo assim te perecesse que fosse tempo perdido perseverar na oração e fatigar a cabeça sem proveito, neste caso não teria por inconveniente que, depois de ter feito o que está em ti, tomasses algum livro devoto e trocasses então a oração pela lição, contanto que a leitura não fosse corrida nem apressada mas pausada e com muito sentimento quanto ao que estivesses lendo, misturando muitas vezes em seus lugares a oração com a leitura, o qual é coisa muito proveitosa e muito fácil de fazer para todo gênero de pessoas, mesmo que sejam muito rudes e principalmente neste caminho.

7. Sexto Aviso

Não é documento diverso do anterior, nem menos necessário avisar que o servo de Deus não se contente com qualquer gostozinho que encontre em sua oração (como fazem alguns que derramando uma lagrimazinha ou sentindo alguma ternura de coração, pensam que já cumpriram com o seu exercício). Isto não basta para o que aqui pretendemos. Porque assim como um pequeno filete de água não basta para que a terra frutifique, que não faz mais do que tirar a poeira e molhar a terra por fora, mas é necessária tanta água que desça até o íntimo da terra e a deixe encharcada de água para que possa frutificar, assim também aqui é necessária a abundância deste rio e desta água celestial para que possa dar fruto de boas obras. É por isto que com muita razão se aconselha que tomemos para este santo exercício o maior espaço de tempo que pudermos. E melhor seria um tempo longo do que dois tempos curtos, porque se o espaço é breve, todo ele será gasto em sossegar a imaginação e aquietar o coração, e depois de já quieto nos levantaremos do exercício quando o teríamos de começar.

E descendo a maiores detalhes no que diz respeito a delimitar este tempo, parece-me que tudo o que for menos de uma hora e meia ou duas horas é um tempo muito curto para a oração, porque muitas vezes se passa mais do que meia hora em moderar o caminho e acalmar a imaginação e todo o restante do tempo é necessário para gozar do fruto da oração. É verdade que quando este exercício é feito depois de alguns outros santos exercícios, como depois do ofício das matinas ou depois de ter assistido ou celebrado missa ou depois de alguma leitura devota ou oração vocal, o coração se encontra mais disposto para este negócio e, assim como ocorre com a lenha seca, mais rapidamente se acende este fogo celestial. Também o tempo da madrugada costuma ser mais curto porque é o mais aparelhado que existe de todos quantos há para este ofício. Mas o que for pobre de tempo por causa de suas muitas ocupações, não deixe de oferecer seu quinhãozinho com a pobre viúva do Templo (Lc. 21, 2), porque se isto não ocorre por sua negligência, Aquele que provê a todas as suas criaturas conforme a sua necessidade e natureza, prove-lo-á também segundo a sua.

8. Sétimo Aviso

Conforme a este documento se dá outro semelhante a ele, e é que quando a alma for visitada na oração, ou fora dela, com alguma visita particular do Senhor, que não a deixe passar em vão, mas que se aproveite daquela ocasião que se lhe oferece, porque é certo que com este vento navegarão homem mais em uma hora que sem Ele durante muitos dias. Assim se diz que o fazia São Francisco, de quem escreve São Boaventura em sua vida que era tão especial o cuidado que tinha nisto que se ao andar pelo caminho nosso Senhor o visitava com algum favor especial, fazia ir adiante todos os companheiros e permanecia quieto até acabar de ruminar e digerir aquele bocado que lhe vinha do céu. Os que assim não o fazem costumam comumente ser castigados com esta pena, a de que não encontram a Deus quando o buscarem, porque quando Ele os buscava não os encontrou.

 9. Oitavo Aviso

O último e mais principal aviso seja que procuremos neste santo exercício juntar em uma só coisa a meditação com a contemplação, fazendo da primeira a escada para subir até a segunda, para o que deve-se saber que o ofício da meditação consiste em considerar com estudo e atenção as coisas divinas discorrendo de umas para as outras para mover nosso coração a algum efeito e sentimento das mesmas, que é como quem fere uma pedra para arrancar dela alguma centelha. Mas a contemplação consiste em já ter arrancado esta centelha, quero dizer, já ter encontrado este efeito e sentimento que se buscava, e estar em repouso e silêncio em seu gozo, não com muitos discursos e especulações do entendimento, e sim com uma simples vista da verdade, por causa do que diz um santo doutor que a meditação discursa com trabalho e com fruto, mas a contemplação o faz sem trabalho e com fruto; a primeira busca, enquanto que a segunda encontra; a primeira rumina a comida, enquanto que a segunda a degusta; a primeira discorre e tece considerações, enquanto que a segunda se contenta com uma simples vista das coisas, porque já possui o amor e o gosto das mesmas; finalmente, a primeiro é como um meio, enquanto que a segundo é como um fim; a primeira é como caminho e movimento, enquanto que a segunda é como o término deste caminho e movimento.

Daqui se conclui uma coisa muito comum, que é ensinada por todos os mestres da vida espiritual, ainda que pouco entendida por parte dos que a lêem, a saber, que assim como ao se alcançar um fim cessam os meios, assim como chegando ao porto cessa a navegação, assim também quando o homem, mediante o trabalho da meditação, chegar ao repouso e ao gosto da contemplação, deve então cessar daquela piedosa e trabalhosa investigação. E contente com uma simples vista e memória de Deus, como se o tivesse presente, tomar posse daquele afeto que se lhe é dado, seja ora de amor, ora de admiração ou de alegria ou coisa semelhante. A razão pela qual isto se aconselha está em que, como o fim de todo este negócio consiste mais no amor e nos afetos da vontade do que na especulação do entendimento, quando a vontade já está presa e tomada deste afeto, devemos dispensar todos os discursos e especulações do entendimento, na medida em que nos seja possível, para que nossa alma com todas as suas forças se empregue nisto sem derramar-se pelos atos de outra potência. E por isso aconselha um doutor que assim que o homem sentir-se inflamado do amor de Deus, deve logo deixar todos estes discursos e pensamentos, por mais altos que possam parecer, não porque sejam maus, mas porque neste caso se tornam impedimentos de outro bem maior, o que não é outra coisa mais do que cessar o movimento quando se chega ao seu término e deixar a meditação por amor da contemplação. Pode-se assinalar que isto pode ser feito no fim de todo o exercício, depois de se pedir o amor de Deus, de que antes já havíamos tratado, pelos seguintes dois motivos. Primeiro, porque pressupõe-se que neste momento o trabalho já feito no exercício terá dado à luz a algum efeito e sentimento de Deus, e, como diz o Sábio, mais vale o fim da oração do que o seu princípio (Eccles. 7,7). Segundo, porque depois do trabalho da meditação e da oração é razoável que o homem dê um pouco de folga ao entendimento e o deixe descansar nos braços da contemplação. Neste tempo, portanto, abandone o homem todas as imaginações que se lhe oferecerem, cale o entendimento, aquiete a memória e fixe-a em Nosso Senhor, considerando que está diante de sua presença e não especulando em particularidades das coisas divinas. Contente-se com o conhecimento que ele possui de Deus pela fé e aplique a sua vontade e amor, pois somente este o abraça e nele está o fruto de toda a meditação, pois o entendimento quase nada alcança do que se pode conhecer de Deus ao passo que a vontade pode amá-Lo muito. Encerre-se dentro de si mesmo no centro de sua alma onde está a imagem de Deus, e ali esteja atento a Ele, como quem escuta ao que fala a partir de alguma elevada torrem ou como quem o tivesse dentro de seu coração, e como se em toda a criação não houvesse mais nada senão somente ela ou somente ele. E mesmo de si mesma e do que faz deveria esquecer-se, porque, como dizia um daqueles Padres, a perfeita oração é aquela onde o que está orando não se recorda que está orando. E não somente no fim do exercício, como também no meio e em qualquer outra parte em que nos tomar este sonho espiritual, quando o entendimento está como que adormecido da vontade, devemos fazer esta pausa, gozar deste benefício e retornar ao nosso trabalho ao acabar de digerir e degustar aquele bocado. É assim que faz o jardineiro quando rega a sua terra a qual, depois de tê-la enchido de água, suspendo o jorro da corrente e deixa empapar e difundir-se pelas entranhas da terra seca o que esta recebeu e, uma vez feito isto, volta a soltar o jorro da fonte, para que receba mais e mais e fique melhor regada. Mas o que então a alma sente, o que goza da luz, da fartura, da caridade e da paz que recebe, não se pode explicar com palavras, pois aqui está a paz que excede todo o sentido e a felicidade que nesta vida se pode alcançar.

Há alguns tão tomados pelo amor de Deus que tão logo tenham começado a pensar nEle a memória de seu doce nome lhes derrete as entranhas. Estes têm tão pouca necessidade de discursos e considerações para amá-Lo como a mãe ou a esposa para regalar-se com a memória de seu filho ou esposo quando lhe falam dele. Há outros também que não somente no exercício da oração, como também fora dele, andam tão abosortos e tão empapados de Deus, que de todas as coisas e de si mesmos se esquecem por causa dEle pois, se isto o pode muitas vezes o amor furioso de um perdido, quanto mais não o poderá o amor daquela infinita beleza, se não é menos poderosa a graça do que a natureza e do que a culpa? Pois quando a alma o sentir, em qualquer parte da oração em que o sinta, de nenhuma maneira o deve menosprezar, mesmo que todo o tempo do exercício se gastar nisso, sem rezar ou meditar nas outras coisas que lhe estavam determinadas, a não ser que estas lhes fossem obrigatórias, porque assim como diz Santo Agostinho que deve-se deixar a oração vocal quando esta em alguma circunstância fosse impedimento da devoção, assim também deve-se deixar a meditação quando fosse impedimento da contemplação.

De onde que também deve-se muito notar que assim como nos convém deixar a meditação pelo afeto para subir do menos ao mais, assim também, pelo contrário, às vezes convirá deixar o afeto pela meditação, quando o afeto fosse tão veemente que se temesse perigo para a saúde perseverando nela, como muitas vezes acontece aos que, sem este aviso, se entregam a estes exercícios e os tomam sem discrição, atraídos pela força da divina suavidade. E em um caso como este, diz um doutor, é bom remédio entregar-se a algum afeto de compaixão, meditando um pouco na Paixão de Cristo, ou nos pecados e nas misérias do mundo, para aliviar e desafogar o coração.


Fonte: Cristianismo.org.br
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