Saudação e objetivo
Em
nome de Jesus Cristo crucificado e da amável Maria, meu caríssimo filho
(1) no doce Cristo Jesus, eu Catarina, serva e escrava dos servos de
Jesus Cristo, vos escrevo no seu precioso sangue, desejosa de vos ver
alicerçado na verdadeira e perfeita humildade.
Iluminação divina e humildade
Quem é
humilde também é paciente no suportar dificuldades por amor à verdade,
pois a humildade alimenta e sustenta a caridade. Quem possui a chama da
caridade nunca é negligente, mas sempre solícito, porque a caridade não é
preguiçosa, sempre trabalha. Todavia, sem uma iluminação divina,
ninguém possui a caridade e a humildade, que afastam o orgulho. Se o
olho tem um objeto que possa ver, mesmo que esteja sadio e haja luz, se
ele não estiver aberto, nada verá. O olho da nossa alma é a
inteligência, e sua iluminação vem da fé, se tal olho não estiver velado
pelo pano do amor-próprio ou egoísmo. Quando o egoísmo é afastado,
nossa inteligência torna-se limpa e conhece. Desperta a afeição da alma,
que começa a amar seu benfeitor. Impulsionado pelo amor, o pensamento
se abre e contempla o objeto, que é Cristo crucificado. A alma
compreende, sobretudo no precioso sangue, o abismo do seu infinito amor
(2).
A humildade é a cela do auto conhecimento
Onde a
inteligência (iluminada pela fé) encontra Cristo crucificado? Na cela
do coração, na qual a alma vê a própria miséria, os próprios defeitos, o
próprio nada. Mas, ao mesmo tempo, conhece a bondade de Deus. Se a alma
ficasse conhecendo somente si mesma, seu conhecimento de Deus não seria
verdadeiro; nem a pessoa colheria os frutos que resultam do
conhecimento de si. Ela mais perderia do que ganharia, uma vez que
retiraria do conhecimento de si apenas tédio e confusão. Cairia na
aridez (espiritual). E se continuasse assim, sem a devida cura,
terminaria no desespero. De outro lado, se a alma apenas conhecesse a
Deus e não a si mesma. Colheria como fruto apodrecido uma grande
confusão (intelectual), que alimenta a soberba. Aliás, uma coisa nutre a
outra. É preciso, portanto, que o conhecimento iluminado da alma chegue
a um grau completo, tanto do conhecimento de Deus como de si mesma.
Desse
modo a alma evita a presunção e o desespero, e colhe na cela do coração o
fruto da vida, a partir do conhecimento de si e de como o desprezo do
pecado e da perversa lei (da sensualidade), sempre disposta a lutar
contra o espírito (Rm 7,23). Tal desprezo gera a paciência, que é o
cerne da caridade. No conhecimento de Deus (presente) em si, a alma
atingi o abismo do amor por Deus e pelo próximo. Na luz da fé compreende
que o amor que tem por Deus não pode ser útil ao Criador. Por isso,
imediatamente a alma começa a ser útil ao próximo, por amor a Deus. Ama a
criatura por compreender que Deus a ama sumamente. É condição do amor
que alguém ame tudo o que a pessoa amada ama.
Conselhos materiais de Catarina. Conclusão
Filho
caríssimo, com a iluminação divina recebemos a humildade e a caridade.
Graças ao esforçado empenho, dado pela chama da caridade, destruiremos
toda negligência; ao mesmo tempo, a água da humildade lavará nossa
soberba. Ficamos sedentos da glória divina e zelosos pela salvação das
almas mediante a cruz do Cordeiro imaculado e humilde. Outro caminho não
existe! Foi ao considerar que temos de caminhar por tal caminho da
humildade, que eu disse acima estar desejosa de vos ver alicerçado na
verdadeira e perfeita humildade. Quero que vivais dessa maneira, sem
medo e sem confusão na mente. Mas, sobretudo, quero que recomeceis a
viver com fé viva, esperança firme, obediência pronta. Quero que
reabasteçais e alimenteis vossa alma. Que ela não resseque pela confusão
e cansaço da mente. Pelo contrário, com muito empenho esforçai-vos por
despertar do sono da negligencia, imitando as virtudes que vedes nos
vossos irmãos e conservando-as em vosso coração. Amai a verdade! Que ela
esteja sempre em vossos lábios. Quando ocorrer, difundi-a nos outros,
sobretudo entre as pessoas que amais. Mas fazei-o com delicadeza,
assumindo os defeitos alheios. Se não fizeste isso no passado, com a
necessária cautela corrigi-o no futuro. Quero que não vos aflijais, nem
vos preocupeis comigo. Dia após dia, deixemos passar as ondas deste
tempestuoso mar, na humildade, caridade fraterna e paciência.
Nada mais acrescento. Permanecei no santo e doce amor de Deus. Jesus doce, Jesus amor.
(1) Félix
Massa foi um discípulo muito fiel de Catarina. Acompanhou-a até
Avinhão, na França. Catarina ficou sabendo que Ele andava muito abatido
pelas críticas que ela estava suportando em seus apostolado. Enviou-lhe
então esta carta.
(2) Este
parágrafo foi de difícil tradução, porque Catarina compara a
inteligência com o olho; a claridade da luz é a fé; objeto da visão é
Jesus Cristo; o egoísmo é a venda que impede a visão da fé.
Cartas completas – Editora Paulus – Tradução Frei João Alves Basílio O. P.
Fonte: Blog Servo dos Servos de Deus
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