quarta-feira, 28 de março de 2018

Quarta-feira da Semana Santa - por Bento XVI

A captura de Cristo - pintura de Caravaggio



«Um de vós há-de entregar-Me».

Porque é que Judas traíu Jesus? A questão é objeto de várias hipóteses. Alguns recorrem ao fator da sua avidez de dinheiro; outros dão uma explicação de ordem messiânica: Judas teria ficado desiludido ao ver que Jesus não inseria no seu programa a libertação político-militar do seu próprio país. Na realidade, os textos evangélicos insistem sobre outro aspeto: João diz expressamente que «tendo já o diabo metido no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que O entregasse» (Jo 13,2); analogamente escreve Lucas: «entrou Satanás em Judas, chamado Iscariotes, que era do número dos Doze» (Lc 22,3). 

Desta forma, vai-se além das motivações históricas e explica-se a vicissitude com base na responsabilidade pessoal de Judas, o qual cedeu miseravelmente a uma tentação do maligno. A traição de Judas permanece, contudo, um mistério. Jesus tratou-o como um amigo (cf Mt 26,50), mas, nos seus convites a segui-lo pelo caminho das bem-aventuranças, Ele não forçava as vontades nem as preservava das tentações de Satanás, respeitando a liberdade humana. [...] 

Recordemo-nos de que também Pedro se queria opor a Ele e ao que O esperava em Jerusalém, tendo aliás recebido uma forte reprovação: «Tu não aprecias as coisas de Deus, mas só as dos homens» (Mc 8,32-33)! Depois da sua queda, Pedro arrependeu-se e encontrou perdão e graça. Também Judas se arrependeu, mas o seu arrependimento degenerou em desespero e assim tornou-se autodestruição. [...] 

Tenhamos presentes duas coisas. A primeira: Jesus respeita a nossa liberdade. A segunda: Jesus espera a nossa disponibilidade para o arrependimento e para a conversão; é rico de misericórdia e de perdão. Afinal, quando pensamos no papel negativo desempenhado por Judas, devemos inseri-lo na condução superior dos acontecimentos por parte de Deus. A sua traição levou à morte de Jesus, que transformou este tremendo suplício em espaço de amor salvífico e em entrega de Si ao Pai (cf Gal 2,20; Ef 5,2.25). 

O Verbo «trair» deriva de uma palavra grega que significa «entregar». Por vezes, o seu sujeito é Deus em pessoa: foi Ele que, por amor, «entregou» Jesus por todos nós (cf Rom 8,32). No seu misterioso projeto salvífico, Deus assume o gesto imperdoável de Judas como ocasião de doação total do Filho para a redenção do mundo.

Bento XVI, papa de 2005 a 2013 
Audiência geral do dia 18/10/06 (trad. © Libreria Editrice Vaticana, rev)
Fonte: Evangelho Quotidiano

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